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PROJETO MUSISER:
Uma abordagem psicodinâmica sobre a importância da música no desenvolvimento do ser humano
Heloisa Maibrada
PROJETO MUSISER:
Uma abordagem psicodinâmica sobre a importância da música no desenvolvimento do ser humano
Heloisa Maibrada
A idéia de que a Música tem o poder de contribuir para o bem-estar do ser humano não é novidade. Desde a Grécia antiga, filósofos, a exemplo de Platão e Aristóteles, advogavam o ensino e a prática musical como disciplina tão essencial na formação do educando quanto outras, como a retórica, a lógica e a matemática. A frase de Platão: “A música dá alma ao coração, asas ao pensamento e impulso à imaginação” pode bem demonstrar o alto conceito que essa arte tinha para o filósofo.
Os três pontos a que Platão chama a atenção na frase sobre a ação da música no ser humano são, na verdade, três chaves essenciais no processo do seu desenvolvimento: o coração, o pensamento e a imaginação. O coração está ligado à afetividade e às emoções; o pensamento, ao raciocínio, à lógica e ao mundo das idéias; e a imaginação, à criatividade e à inspiração. Um desenvolvimento equilibrado desses três pilares, aliado a um processo físico saudável, pode contribuir para o despertar do potencial individual intrínseco de cada ser humano em todas as áreas de sua vida, auxiliando, conseqüentemente, a dinamização da sociedade e a evolução humana como um todo.
Que a música age sobre o coração e, conseqüentemente sobre as emoções, não há o que questionar. Muitos são os exemplos de músicas, tanto populares quanto de caráter mais erudito, que emocionam e despertam sentimentos variados. A busca por músicas que provoquem determinado efeito emocional está demonstrada na diversidade musical disponível ao público no mercado em geral. Como bem disse Robert Jourdain: “Algumas pessoas usam a música como um estimulante; outras, como tranqüilizante; algumas procuram intensidade e beleza; outras, distração e barulheira...”(i)
Entretanto pouca atenção tem sido dada ao potencial intrínseco da música como um meio dos mais eficazes para dinamizar o desenvolvimento. No ensino de crianças pequenas, algumas músicas são ensinadas, muitas vezes, pelo seu conteúdo tradicional da cultura, para a aprendizagem divertida de letras pedagógicas, ou simplesmente por pura diversão. Neste âmbito específico, conta muito o conteúdo das letras, acompanhado por uma música agradável ou engraçada. A focalização em elementos puramente musicais, entretanto, presentes em músicas instrumentais, tem sido relegada às escolas especializadas ou a algumas poucas escolas inovadoras que disponham de um profissional com capacitação no ensino da música. Por outro lado, a disciplina do ensino da música nas escolas especializadas, apesar de proporcionar uma base musical teórica sólida, muitas vezes deixa pouco espaço disponível para a exploração espontânea e curiosa da criança.
Dentre os elementos que constituem a música, ou seja, ritmo, melodia e harmonia, o ritmo tem especial importância tanto para a fundamentação musical, quanto para o desenvolvimento humano, permitindo que agrupamentos de sons melódicos e harmônicos tenham uma coerência e seqüencialidade no tempo e, através do treino corporal e perceptual, traz uma organicidade física a essas percepções. Sem uma realização física e orgânica do ritmo, a execução musical perde-se no estereotipismo e na mecanicidade ou, então, na incapacidade coordenadora de movimentos. O ritmo é também um elemento que está presente no universo em infinitas modalidades, seja no ritmo do dia e da noite, no ritmo das marés, no ritmo do pulsar do coração e em outros tantos ritmos. Fala-se de uma pessoa que trabalha com ritmo “a todo vapor”, outra “devagar, quase parando”. A percepção física do ritmo, através de movimentos corporais amplos, é um dos principais alvos do Projeto MUSISER, uma vez que essa clareza traz a integração de movimentos precisos e expressivos em sintonia com as idéias musicais.
O processo dessa integração rítmico-musical proporciona à criança uma maior facilidade no aprendizado de conceitos espaço-temporais, inclusive do raciocínio lógico e matemático. As diversas divisões rítmicas, bem como a disposição das notas da escala musical e dos intervalos entre os sons, são todos baseados em números. Algumas pesquisas realizadas nos Estados Unidos e em outros países têm demonstrado que crianças que foram submetidas a um aprendizado musical apresentaram mais facilidade nessas áreas de raciocínio do que outras que não tiveram acesso ao ensino musical.(ii)
O Projeto MUSISER, entretanto, não visa simplesmente trazer ao público esse resultado, mas, especialmente, através de atividades criativas e auditivas, realizadas através de audições de músicas, de improvisações e de processos simples de composição musical, dinamizar o potencial criador da criança. A criatividade permite que ela ouse utilizar todo o seu potencial imaginativo. Durante o período préescolar, especialmente na faixa dos quatro aos seis anos de idade, faixa do público-alvo do Projeto MUSISER, a curiosidade infantil ainda não está tão limitada por padrões externos, padrões esses que serão gradativamente estabelecidos na formalização escolar dos anos posteriores. Portanto, a possibilidade de experimentar com os sons e ritmos musicais nos anos pré-escolares torna-se uma experiência muito enriquecedora, que pode ajudar a dinamizar outros empregos de sua criatividade e originalidade. A experiência sensorial é parte fundamental no desenvolvimento da criança nessa fase, e tudo o que for apreendido pela criança servirá como base para o seu desenvolvimento intelectual e emocional. A audição de músicas agradáveis irá lhe propiciar experiências estéticas, estimulando-a, inspirando-a e sensibilizando-a para o que é mais harmonioso e inspirador. Dessa forma, a música passa a ser vivenciada em seu aspecto mais puro e global antes de qualquer sistematização teórica, visando despertar e impulsionar todo o potencial criativo e expressivo da criança.
O retorno do ensino da música às escolas de ensino fundamental e médio, que está em vias de ser aprovado no Congresso, virá colocar a música mais uma vez como parte integrante dos currículos escolares, o que poderá beneficiar imensamente as gerações futuras. No entanto, é necessário que a música seja inserida como algo dinâmico, com um propósito maior do que o de divertir ou do que o da aprendizagem de conceitos teóricos. A vivência de experiências sensibilizantes de ouvir música, de cantar, e, especialmente, de criar música poderá trazer resultados surpreendentes que irão auxiliar várias outras áreas do desenvolvimento humano. Como afirmou o escritor e crítico de arte inglês Herbert Read (1893-1968) a respeito das implicações da abordagem artística na educação:
E continuando:
O projeto MUSISER foi elaborado em finais de 2007 e está, atualmente, em andamento como um Projeto de Pesquisa do Departamento de Música da UFPE. O interesse pelo tema da importância da música e, também, de outras artes para o desenvolvimento humano, entretanto, não é casual. É decorrente da mudança de pensamento que vem se desenvolvendo em diversos países, buscando idéias e ideais mais abrangentes e menos restritos unicamente ao método científico de pensar. Os desafios atuais de ordem ecológica, social e emocional têm resultado em uma crescente preocupação com aspectos ligados especialmente à educação. Entretanto, no que diz respeito à aprendizagem musical, é preciso começar cedo. De acordo com a teoria das inteligências múltiplas de Howard Gardner, da Universidade de Harvard, a musicalidade é uma inteligência que pode ser despertada nos primeiros anos de vida através das influências absorvidas nos lares e nas escolas.(v) É esta a principal meta do MUSISER: comprovar que a música, sendo apresentada como um meio de expressão criativa às crianças antes do ingresso no ensino escolar tradicional, pode vir a favorecer de maneira positiva o seu desenvolvimento integral como ser humano.
E quem sabe, através de uma maior conscientização do público, pais e instituições educacionais, poderemos chegar ao ideal de Platão: trazer mais alma ao coração, mais asas à imaginação e mais impulso ao pensamento.
__________
i Robert Jourdain, Música, Cérebro e Êxtase (Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 1997), 17.
ii Mary Miché, Weaving Music Into Young Minds (Albany, NY: Delmar, 2002), 56.
iii Herbert Read, Educação Pela Arte ( São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora Ltda., 2001), 63.
iv Ibid., 115.
v Miché, 39.
Os três pontos a que Platão chama a atenção na frase sobre a ação da música no ser humano são, na verdade, três chaves essenciais no processo do seu desenvolvimento: o coração, o pensamento e a imaginação. O coração está ligado à afetividade e às emoções; o pensamento, ao raciocínio, à lógica e ao mundo das idéias; e a imaginação, à criatividade e à inspiração. Um desenvolvimento equilibrado desses três pilares, aliado a um processo físico saudável, pode contribuir para o despertar do potencial individual intrínseco de cada ser humano em todas as áreas de sua vida, auxiliando, conseqüentemente, a dinamização da sociedade e a evolução humana como um todo.
Que a música age sobre o coração e, conseqüentemente sobre as emoções, não há o que questionar. Muitos são os exemplos de músicas, tanto populares quanto de caráter mais erudito, que emocionam e despertam sentimentos variados. A busca por músicas que provoquem determinado efeito emocional está demonstrada na diversidade musical disponível ao público no mercado em geral. Como bem disse Robert Jourdain: “Algumas pessoas usam a música como um estimulante; outras, como tranqüilizante; algumas procuram intensidade e beleza; outras, distração e barulheira...”(i)
Entretanto pouca atenção tem sido dada ao potencial intrínseco da música como um meio dos mais eficazes para dinamizar o desenvolvimento. No ensino de crianças pequenas, algumas músicas são ensinadas, muitas vezes, pelo seu conteúdo tradicional da cultura, para a aprendizagem divertida de letras pedagógicas, ou simplesmente por pura diversão. Neste âmbito específico, conta muito o conteúdo das letras, acompanhado por uma música agradável ou engraçada. A focalização em elementos puramente musicais, entretanto, presentes em músicas instrumentais, tem sido relegada às escolas especializadas ou a algumas poucas escolas inovadoras que disponham de um profissional com capacitação no ensino da música. Por outro lado, a disciplina do ensino da música nas escolas especializadas, apesar de proporcionar uma base musical teórica sólida, muitas vezes deixa pouco espaço disponível para a exploração espontânea e curiosa da criança.
Dentre os elementos que constituem a música, ou seja, ritmo, melodia e harmonia, o ritmo tem especial importância tanto para a fundamentação musical, quanto para o desenvolvimento humano, permitindo que agrupamentos de sons melódicos e harmônicos tenham uma coerência e seqüencialidade no tempo e, através do treino corporal e perceptual, traz uma organicidade física a essas percepções. Sem uma realização física e orgânica do ritmo, a execução musical perde-se no estereotipismo e na mecanicidade ou, então, na incapacidade coordenadora de movimentos. O ritmo é também um elemento que está presente no universo em infinitas modalidades, seja no ritmo do dia e da noite, no ritmo das marés, no ritmo do pulsar do coração e em outros tantos ritmos. Fala-se de uma pessoa que trabalha com ritmo “a todo vapor”, outra “devagar, quase parando”. A percepção física do ritmo, através de movimentos corporais amplos, é um dos principais alvos do Projeto MUSISER, uma vez que essa clareza traz a integração de movimentos precisos e expressivos em sintonia com as idéias musicais.
O processo dessa integração rítmico-musical proporciona à criança uma maior facilidade no aprendizado de conceitos espaço-temporais, inclusive do raciocínio lógico e matemático. As diversas divisões rítmicas, bem como a disposição das notas da escala musical e dos intervalos entre os sons, são todos baseados em números. Algumas pesquisas realizadas nos Estados Unidos e em outros países têm demonstrado que crianças que foram submetidas a um aprendizado musical apresentaram mais facilidade nessas áreas de raciocínio do que outras que não tiveram acesso ao ensino musical.(ii)
O Projeto MUSISER, entretanto, não visa simplesmente trazer ao público esse resultado, mas, especialmente, através de atividades criativas e auditivas, realizadas através de audições de músicas, de improvisações e de processos simples de composição musical, dinamizar o potencial criador da criança. A criatividade permite que ela ouse utilizar todo o seu potencial imaginativo. Durante o período préescolar, especialmente na faixa dos quatro aos seis anos de idade, faixa do público-alvo do Projeto MUSISER, a curiosidade infantil ainda não está tão limitada por padrões externos, padrões esses que serão gradativamente estabelecidos na formalização escolar dos anos posteriores. Portanto, a possibilidade de experimentar com os sons e ritmos musicais nos anos pré-escolares torna-se uma experiência muito enriquecedora, que pode ajudar a dinamizar outros empregos de sua criatividade e originalidade. A experiência sensorial é parte fundamental no desenvolvimento da criança nessa fase, e tudo o que for apreendido pela criança servirá como base para o seu desenvolvimento intelectual e emocional. A audição de músicas agradáveis irá lhe propiciar experiências estéticas, estimulando-a, inspirando-a e sensibilizando-a para o que é mais harmonioso e inspirador. Dessa forma, a música passa a ser vivenciada em seu aspecto mais puro e global antes de qualquer sistematização teórica, visando despertar e impulsionar todo o potencial criativo e expressivo da criança.
O retorno do ensino da música às escolas de ensino fundamental e médio, que está em vias de ser aprovado no Congresso, virá colocar a música mais uma vez como parte integrante dos currículos escolares, o que poderá beneficiar imensamente as gerações futuras. No entanto, é necessário que a música seja inserida como algo dinâmico, com um propósito maior do que o de divertir ou do que o da aprendizagem de conceitos teóricos. A vivência de experiências sensibilizantes de ouvir música, de cantar, e, especialmente, de criar música poderá trazer resultados surpreendentes que irão auxiliar várias outras áreas do desenvolvimento humano. Como afirmou o escritor e crítico de arte inglês Herbert Read (1893-1968) a respeito das implicações da abordagem artística na educação:
O objetivo de uma reforma do sistema educacional não é produzir mais obras de arte, mas pessoas e sociedades melhores. (...) porém, essa atividade artística das crianças pode ser o começo de uma reforma mais ampla. A partir do momento em que os poderes criativos são liberados em uma certa direção,(...) a partir do momento em que os grilhões da passividade da escola são rompidos, uma espécie de liberação íntima, o despertar de uma atividade mais elevada, em geral acontece.(iii)
E continuando:
O objetivo da educação estética nas crianças nunca pode, portanto, ser a produção de um tipo de arte em conformidade com um padrão canônico ou esteticamente “superior”, embora a existência de tal padrão seja admitida (...) O objetivo da arte na educação, que deveria ser idêntico ao propósito da própria educação, é desenvolver na criança um modo integrado de experiência (...) em que a percepção e o sentimento se movimentam num ritmo orgânico, numa sístole e diástole, em direção a uma apreensão mais completa e mais livre da realidade.(iv)
O projeto MUSISER foi elaborado em finais de 2007 e está, atualmente, em andamento como um Projeto de Pesquisa do Departamento de Música da UFPE. O interesse pelo tema da importância da música e, também, de outras artes para o desenvolvimento humano, entretanto, não é casual. É decorrente da mudança de pensamento que vem se desenvolvendo em diversos países, buscando idéias e ideais mais abrangentes e menos restritos unicamente ao método científico de pensar. Os desafios atuais de ordem ecológica, social e emocional têm resultado em uma crescente preocupação com aspectos ligados especialmente à educação. Entretanto, no que diz respeito à aprendizagem musical, é preciso começar cedo. De acordo com a teoria das inteligências múltiplas de Howard Gardner, da Universidade de Harvard, a musicalidade é uma inteligência que pode ser despertada nos primeiros anos de vida através das influências absorvidas nos lares e nas escolas.(v) É esta a principal meta do MUSISER: comprovar que a música, sendo apresentada como um meio de expressão criativa às crianças antes do ingresso no ensino escolar tradicional, pode vir a favorecer de maneira positiva o seu desenvolvimento integral como ser humano.
E quem sabe, através de uma maior conscientização do público, pais e instituições educacionais, poderemos chegar ao ideal de Platão: trazer mais alma ao coração, mais asas à imaginação e mais impulso ao pensamento.
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i Robert Jourdain, Música, Cérebro e Êxtase (Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 1997), 17.
ii Mary Miché, Weaving Music Into Young Minds (Albany, NY: Delmar, 2002), 56.
iii Herbert Read, Educação Pela Arte ( São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora Ltda., 2001), 63.
iv Ibid., 115.
v Miché, 39.
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