.03
Diálogos entre Arte e Público no Museu
[Regina Batista]
“Deixem que as obras de arte manifestem
sua eloqüência natural e elas serão compreendidas
por um número crescente de pessoas;
este método será mais eficaz do que a influência
exercida por todos os guias, conferências e discursos”.
F. SCHIMIDT-DEGENE,
“Musées” in Les Cahiers de la république
dês lettres, des sciences et des arts, XIII.
Participar do Seminário Diálogos entre Arte e Público no Museu abre mais uma vez a oportunidade para o debate sobre um tema que se tornou recorrente na esfera da ação educativa e que envolve a dialética entre arte e público. A questão ora destacada apresenta-se como emblemática e compreende, por certo, o exame de como acontece esse diálogo no espaço do Museu, os parâmetros estabelecidos e o trabalho de mediação como articulador dessas três áreas.
Nesse texto, elaborado para o debate entre colegas museólogos, professores e arte/educadores, focalizo uma tendência cada vez mais presente nos museus e internacionalmente reconhecida de que a ação educativa e cultural é de fundamental importância para o estabelecimento de processos de apropriação da arte e de acesso à cultura, e, portanto, recurso pedagógico dos mais valiosos para o diálogo entre arte e público.
Vale lembrar que é interesse cada vez maior e recomendação da Política Nacional de Museus ampliar a acessibilidade para diferentes públicos e as análises dessas medidas, notadamente quando as condições de participação e diálogo ainda são muito adversas nos museus brasileiros. Ao mesmo tempo é sempre oportuno estabelecer uma relação entre o meu discurso e algumas das minhas experiências na coordenação de ações educativas para as exposições do Salão Pernambucano de Artes Plásticas 2000 e a Exposição Eckhout, em 2002, no Instituto Ricardo Brennand.
Com isso pretendo contribuir para que museólogos, artistas, professores e arte/educadores possam, juntos, construir uma condição dialogal entre as artes e os diferentes públicos nos museus.
Inicialmente quero fazer uma pequena digressão a respeito da palavra DIÁLOGO, que permeia todo o nosso discurso, analisando a sua forma gramatical. Diálogo vem do verbo dialogar e denota a conversação, o colóquio ou, ainda, a comunicação que envolve duas ou mais pessoas, grupos e entidades com vista à solução de problemas comuns. Dessa forma, vale a questão: quais são os problemas que queremos demonstrar nesse Seminário? Que existe o Diálogo entre Arte e Público? Ou, de outro modo, o que pretendemos é apenas afirmar a existência a priori do Diálogo entre Arte e Público no Museu.
Não pretendo avançar nesses questionamentos ou levantar problemas, apenas tecer algumas conexões com o tema proposto.
Muito recentemente, os museus adotaram uma política de exposições bastante agressiva como forma de captação de recursos financeiros e até de sobrevivência. Nesse sentido ficaram à mercê de patrocinadores ávidos por publicidade, exigindo dos museus índices altíssimos de visitação o que reforçou os serviços educativos para atender a demanda de públicos nos períodos das grandes exposições; investiram em ações de mediação que permitissem iniciativas de democratização da cultura, principalmente, para o público que não freqüenta museus. Essa estratégia de expansão das atividades pedagógicas no museu demonstrou ser um caminho importante para aproximar o público da arte ou do consumo cultural. Bourdieu identifica que “a estrutura do público assíduo dos museus pode ser considerada como um indicador aproximativo do nível da informação proposta pelo museu.
Despojando-se do caráter abstrato e hermético que o manteve até bem pouco tempo, pautado na norma culta, os museus tiveram que se renovar e se fazer compreender, principalmente com o avanço e as transformações da pedagogia, ou melhor, dos sistemas e normas impostas por uma nova pedagogia, que resultaram em uma verdadeira democratização do ensino. A mediação passou, então, a ser uma metodologia facilitadora nos processos educativos empregados nos museus, especialmente nos museus de arte, junto ao público ou grupos de visitantes cada vez mais diversificados.
Tão importante quanto a mediação entre arte e público no espaço do museu, podemos considerar a transmissão da mensagem, ou seja, a linguagem comunicacional usada, como um dos meios para estabelecer a relação e o entendimento entre a arte e o sujeito/público visitante. O diálogo com a arte vai além do exercício experimental, para ser um prazer estético na vida do homem, na medida em que se pode educar alguém por meio da arte, pois ela é capaz de fazer de nós pessoas melhores e mostrar que existem muitos mundos além do nosso umbigo, Essa experiência de trabalho no campo da museologia e a compreensão do papel dos museus como espaços de formação do conhecimento e de cidadania me levaram a aprofundar minha prática, participando de congressos sobre educação em museus, e a conhecer práticas educativas internacionais de Educação Patrimonial, através dos contatos com museólogos do Museu Imperial do Rio de Janeiro, que me levaram a coordenar, no Museu do Homem do Nordeste, o projeto “Um dia no Engenho Massangana”, em 1982.
As múltiplas possibilidades do trabalho educativo no museu com evidências materiais do patrimônio cultural demonstram ser uma via de mão dupla para o desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social.
O alcance de uma ação educativa poderá vir a ser instrumento de transformação para jovens e adultos e, ao mesmo tempo, propiciar conhecimento dos seus referenciais e conteúdos culturais. Por outro lado, o acesso e o diálogo com o patrimônio cultural em eventos integrados fazem convergir os mais diversos segmentos sociais e um público numeroso e diversificado.
Exemplo dessa primeira experiência no campo de uma ação educativa coordenada, juntamente com arte/educadores e professores da rede pública de ensino, deu-se por ocasião do Salão Pernambucano de Artes Plásticas 2000, promovido pela Diretoria de Museus da Fundarpe, através de parcerias com as Secretarias de Educação e Cultura de Pernambuco, que resultou num grande intercâmbio com inúmeras instituições de ensino da rede pública e privada do Estado, atraindo um público ávido por conhecer a produção artística nacional contemporânea.
Para os patrocinadores, foi uma ótima oportunidade para divulgarem suas marcas, com espaço de destaque garantido em todos os produtos e eventos realizados. Os anunciantes optaram entre as mais diversas mídias, a exemplo de anúncios na TV, no Rádio, em blimps, banners e muitas outras formas de comunicação com o grande público.
Como a formação no campo da arte educação é específica, foi importante contar com a assessoria constante dos que fazem educação e arte/educação, pois não basta apenas querer fazer é preciso SABER FAZER.
Entendendo que outras instituições, entre elas os museus, assumem, a cada dia, mais importância na ampliação e distribuição do conhecimento, é que estabelecemos uma ação educativa orientada para o programa de exposições do Salão Pernambucano de Artes Plásticas 2000. Essa ação estimulou o interesse do espectador através de uma relação baseada na sensação da descoberta, da fruição da emoção, no encontro pessoal com o fenômeno da arte. Realizamos nossas múltiplas atividades com a ajuda de monitores, educadores e artistas, orientados para mediar a comunicação entre o público e a obra de arte, através de visitas comentadas, oficinas de arte e passeios com artistas.
Trabalhando com professores da rede pública de ensino, a Comissão de Ação Educativa do Salão elaborou uma proposta pedagógica bastante diversificada, voltada especialmente para o público infantil e juvenil, usando, para isso, métodos mais interativos e a oferta de experiências novas ao visitante com os acervos das exposições do Salão dos Premiados e Selecionados no Observatório Cultural Malakoff – Torre Malakoff, e da Retrospectiva dos Salões, no Museu do Estado de Pernambuco.
O sistema de comunicação entre o espectador e os acervos das exposições foi desenvolvido pelo grupo baseado na ação educativa dos museus, dentro da metodologia do “ensino visualizado”, capaz das mais rápidas assimilações por qualquer tipo de público. Nele, a obra de arte pode ser observada, percebida, estudada, analisada e apreendida por distintos critérios e sob diferentes conceitos, com a ajuda de material pedagógico elaborado para auxiliar professores e alunos em visita às exposições.
Nessa perspectiva de educação através da arte, assumimos a tarefa de orientar e organizar pela primeira vez o Salão Pernambucano de Artes Plásticas em 2000, voltado para a cultura e para a educação, a nosso ver, conceitos e atividades intimamente ligados e interagentes. E, ao comprometer essa ação com o entendimento da arte contemporânea brasileira, buscamos aprimorar os métodos de aprendizado, utilizando o exercício vivo de transformação do olhar e do entendimento da arte em suas diferentes interpretações.
A experiência de promover uma ação educativa e cultural para o Instituto Ricardo Brennand, por ocasião da exposição Albert Eckhout volta ao Brasil 1644 – 2002, mostrou, pelos altos índices de visitação alcançados, o quanto é necessário democratizar o conhecimento e o acesso ao nosso patrimônio cultural. Mais surpreendente e importante para os museus, o papel das práticas educativas na formação de novos públicos e na instauração de uma nova mentalidade.
O desafio é, portanto, encontrar novos enfoques e estratégias para a apresentação de exposições que permitam ao museu motivar os indivíduos a encontrar sua própria identidade e a compreender o mundo que os rodeia. Despertar a consciência cultural do público, motivá-los a aprender algo novo e ganhar o seu apoio é tarefa que só pode ser levada a cabo com a total participação e cooperação do conjunto de profissionais envolvidos com a educação e o patrimônio.
Finalizando, é necessário entender que o indivíduo torna-se senhor de si mesmo e dos seus conteúdos se lhes for permitido ter acesso a coisas, lugares, processos, acontecimentos e registros, e a garantia desse acesso representa um passo importante no processo de transformação do indivíduo em cidadão e sujeito da sua história.
__________
Referências Bibliográficas
GARCIA-CANCLINI, N. Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 2000.
GRINSPUM, D. Educação para o Patrimônio: Museu de Arte e Escola. Tese Doutorado.
USP, 2000.
SEPÚLVEDA, Luciana. A análise da parceria museu-escola como experiência social e espaço
de afirmação do sujeito. In: GOUVÊA, G., MARANDINO, M. e LEAL. M.C. (Orgs).
BOURDIEU, Pierre, Alain Darbel: O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seu
público. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003.
FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 1978.
CURY, Marília Xavier. A comunicação museológica e a pesquisa de recepção no Museu Água
Vermelha. Caderno de Resumos da V Semana de Museus da USP. São Paulo: USP, 2005.
HOTA, M. De Lourdes ET. Al. Guia Básico de educação patrimonial. Brasília: Iphan/
Museu Imperial, 1999.
IPHAN. Política nacional de museus: relatório de gestão 2003/2004.
Nenhum comentário:
Postar um comentário