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Os Cursos de Educação Continuada
do Pólo UFPE como espaço de mediação em arte
Sebastião Pedrosa
Os Cursos de Educação Continuada
do Pólo UFPE como espaço de mediação em arte
Sebastião Pedrosa
Início de abril de 2008. Saindo da sala de aula, sou interpelado por um ex-aluno da habilitação de Artes Plásticas da Licenciatura em Educação Artística da UFPE: “Como se dá o processo de mediação em arte no Projeto Arte na Escola em Pernambuco?”. Respondi: “esta não é uma questão simples para ser respondida em uma frase”. Então, pensei: a questão merece reflexão e pode ser o ponto de partida para um redirecionamento das ações pedagógicas no Pólo UFPE.
O público com o qual temos trabalhado mais diretamente, desde que o Projeto Arte na Escola foi implantado na UFPE, em maio de 2004, é o professor de arte da escola pública, que, em sua maioria, não teve formação em arte. Desde a sua implantação, o Pólo UFPE tem oferecido sucessivos cursos de educação continuada.
As questões recorrentes surgidas daqueles que freqüentam os cursos indicam a inexistência de materiais e espaços adequados para se trabalhar na escola, como também o distanciamento e falta de contato com arte. É certo que toda regra tem exceção e, portanto, não é tão raro surgir aquele ou aquela que demonstra o hábito de visitar as exposições de arte na cidade. Outra revelação freqüente é dos professores afirmarem ter realizado seu último desenho ainda quando eram crianças. O distanciamento entre ver, fazer e ensinar arte, nesse universo de professores, tem-nos levado a pensar numa mediação que proporcione a esses professores a construção de um repertório em arte. Consideramos esses cursos como oportunidades para acolher o professor no exercício de partilhar incertezas e curiosidades, descobertas estéticas e inquietações pedagógicas com relação ao ensino da arte.
É possível que o professor não precise ser artista para ensinar arte, mas necessita ter conhecimento e um repertório em arte os quais abrangem questões de natureza teórica e prática. Isso implica passar também por uma experiência em que se exercitem etapas da produção da obra artística. Por isso, quando os cursos são planejados, pensamos na aproximação do professor com a obra de arte através da inter-relação entre o ver e falar sobre a obra, como também no desdobrar o seu pensamento visual através da expressão plástica.
A aproximação do professor com a obra de arte, nos cursos de Educação Continuada do Pólo UFPE, tem acontecido de várias maneiras. Os materiais de apoio didático fornecidos pela rede Arte na Escola, como o “kit arte br”, a “DVDteca” e os “livros didáticos” têm sido fundamentais nessa construção. Os DVDs se destacam com especial importância na ação pedagógica. Esse material facilita a discussão, ajuda na percepção e na construção do repertório do professor com relação à arte, mas não substitui a experiência sinestésica, quando se entra em contato direto com a obra de arte ou quando se manipulam os materiais necessários à construção de uma obra artística. Nem sempre nos damos conta das complexas relações possíveis que podem ser estabelecidas entre a nossa percepção ou fruição e a produção artística através de reproduções da obra, e também, certamente, em contato direto com a obra, se uma efetiva reflexão não for estabelecida. Assim, num primeiro momento, os cursos priorizaram as discussões sobre aprender e ensinar artes visuais no contexto escolar formal, explorando os seguintes estágios:
• Explicitação do repertório de artistas familiares aos participantes dos cursos: quais os artistas conhecidos? De que falam suas obras? Quais as relações estéticas possíveis entre os artistas abordados? Que obras ou propostas estéticas nos causam estranhamento ou, ao contrário, encantamento, e as razões para isso?
• Visitação a espaços expositivos como o Museu de Arte Moderna Aluísio Magalhães (MAMAM), o Instituto de Arte Contemporânea (IAC) da UFPE, o Museu do Estado e a Oficina de Cerâmica Francisco Brennand.
• Exploração de exercícios que envolvam questões metodológicas do ensino da arte: leitura da obra de arte; construção do conhecimento da linguagem visual; a prática do ateliê de arte.
Essas etapas nem sempre seguiam uma ordem seqüencial; o diálogo permanente com os participantes determinava a dinâmica dos encontros. Para efeito de ilustração do que tem sido os cursos de educação continuada, apresento a seguir um pequeno recorte do que foi trabalhado com um dos grupos de professores: Queríamos explorar um dos DVDs do acervo, para introduzir o participante ao estudo da arte contemporânea. Escolhemos “Regina Silveira: Linguagens Visuais”. Antes de apresentarmos o vídeo, propusemos uma atividade lúdica com a exploração de luz e sombra. Para darmos início a um dos cursos planejados para professores do ensino fundamental da rede Municipal da Cidade do Recife, propusemos uma atividade lúdica: brincar com sombras.
Como ampliar o exercício?
As possibilidades de criação de imagens com luz e sombra são imensas. Com alguns materiais básicos foi possível a exploração do conceito de luz e sombra projetada sobre coisas na sala escura. Luz de vela, luz de pequenas tochas, luz do retro-projetor – instrumento quase sempre presente na sala de aula. Projeção na parede, projeção no chão, projeção no teto, projeção na projeção, jogo de luz e sombra. Abstração. Exploração individual de formas e congelamento da imagem projetada através do desenho.
A discussão em pequenos grupos para estudo de situações a serem exploradas em sala de aula aprofundou a questão metodológica: o estudo do desenho e suas modalidades. O estudo da forma através do teatro de sombras: as possibilidades de construção de personagens, construção do espaço cênico, a criação de estórias sem texto verbal, projeção de cenas. As possibilidades do desenho: desenhar com luz, desenho no espaço, outra forma de desenhar. O desenho e suas várias modalidades: desenho de observação; desenho de imaginação; desenho para registro e anotações; desenho para ilustração; desenho da criança, sua gênese, seu desenvolvimento. Seus materiais. Desenho com múltiplos propósitos.
O passo seguinte foi assistir ao DVD de Regina Silveira. Um exercício para mergulhar na compreensão da arte contemporânea e de ampliar os significados de uma experiência lúdica vivida pelo grupo. O DVD “Regina Silveira, Linguagens Visuais” foi projetado como mais uma etapa para a construção do repertório dos participantes do curso. Observou-se que o conceito de anamorfose, palavra que entre outros significados quer dizer a deformação de uma imagem formada por um sistema ótico, permeia a obra da artista e indica o seu grau de envolvimento com a pesquisa em arte. A artista vai encontrar nos desenhos de artistas do passado, como Brunelleschi, um referencial para sua afirmativa artística e, com o uso de novas tecnologias, inventa desenhos e espaços virtuais; constrói um jogo de ilusão que, às vezes, o espectador experimenta como real e dialoga mais estreitamente com o objeto artístico. O uso dos objetos do cotidiano apresentados como sombras deformadas dos objetos existentes no mundo real provocou o sentimento de mundo desordenado e instável. Mesmo assim, conseguir ver mentalmente em “in absentia” a figura ausente que o vídeo instalação provoca foi uma descoberta gratificante para os participantes e, talvez, ainda mais, quando conseguiram perceber a referência que a artista faz à obra de Duchamp e descobrir as possibilidades de criação de imagem e construção de metáforas a partir do uso de imagens.
O DVD sobre a obra de Regina Silveira veio desmitificar uma série de dificuldades entre os participantes: a dificuldade em dialogar com a arte contemporânea; a indecisão na escolha de materiais para se trabalhar com arte; a questão mercadológica da arte; a arte como objeto de adorno.
Nesse jeito de simplificar e aproximar o arte-educador à obra de arte, seja ela de artistas brasileiros ou de outras culturas, seja a obra original ou reproduzida, seja através do processo reflexivo sobre uma prática pedagógica ou criativa, as barreiras que impedem o acesso do público escolar à obra de arte diminuem, e o lugar da mediação entre arte e público ganha espaço.
O público com o qual temos trabalhado mais diretamente, desde que o Projeto Arte na Escola foi implantado na UFPE, em maio de 2004, é o professor de arte da escola pública, que, em sua maioria, não teve formação em arte. Desde a sua implantação, o Pólo UFPE tem oferecido sucessivos cursos de educação continuada.
As questões recorrentes surgidas daqueles que freqüentam os cursos indicam a inexistência de materiais e espaços adequados para se trabalhar na escola, como também o distanciamento e falta de contato com arte. É certo que toda regra tem exceção e, portanto, não é tão raro surgir aquele ou aquela que demonstra o hábito de visitar as exposições de arte na cidade. Outra revelação freqüente é dos professores afirmarem ter realizado seu último desenho ainda quando eram crianças. O distanciamento entre ver, fazer e ensinar arte, nesse universo de professores, tem-nos levado a pensar numa mediação que proporcione a esses professores a construção de um repertório em arte. Consideramos esses cursos como oportunidades para acolher o professor no exercício de partilhar incertezas e curiosidades, descobertas estéticas e inquietações pedagógicas com relação ao ensino da arte.
É possível que o professor não precise ser artista para ensinar arte, mas necessita ter conhecimento e um repertório em arte os quais abrangem questões de natureza teórica e prática. Isso implica passar também por uma experiência em que se exercitem etapas da produção da obra artística. Por isso, quando os cursos são planejados, pensamos na aproximação do professor com a obra de arte através da inter-relação entre o ver e falar sobre a obra, como também no desdobrar o seu pensamento visual através da expressão plástica.
A aproximação do professor com a obra de arte, nos cursos de Educação Continuada do Pólo UFPE, tem acontecido de várias maneiras. Os materiais de apoio didático fornecidos pela rede Arte na Escola, como o “kit arte br”, a “DVDteca” e os “livros didáticos” têm sido fundamentais nessa construção. Os DVDs se destacam com especial importância na ação pedagógica. Esse material facilita a discussão, ajuda na percepção e na construção do repertório do professor com relação à arte, mas não substitui a experiência sinestésica, quando se entra em contato direto com a obra de arte ou quando se manipulam os materiais necessários à construção de uma obra artística. Nem sempre nos damos conta das complexas relações possíveis que podem ser estabelecidas entre a nossa percepção ou fruição e a produção artística através de reproduções da obra, e também, certamente, em contato direto com a obra, se uma efetiva reflexão não for estabelecida. Assim, num primeiro momento, os cursos priorizaram as discussões sobre aprender e ensinar artes visuais no contexto escolar formal, explorando os seguintes estágios:
• Explicitação do repertório de artistas familiares aos participantes dos cursos: quais os artistas conhecidos? De que falam suas obras? Quais as relações estéticas possíveis entre os artistas abordados? Que obras ou propostas estéticas nos causam estranhamento ou, ao contrário, encantamento, e as razões para isso?
• Visitação a espaços expositivos como o Museu de Arte Moderna Aluísio Magalhães (MAMAM), o Instituto de Arte Contemporânea (IAC) da UFPE, o Museu do Estado e a Oficina de Cerâmica Francisco Brennand.
• Exploração de exercícios que envolvam questões metodológicas do ensino da arte: leitura da obra de arte; construção do conhecimento da linguagem visual; a prática do ateliê de arte.
Essas etapas nem sempre seguiam uma ordem seqüencial; o diálogo permanente com os participantes determinava a dinâmica dos encontros. Para efeito de ilustração do que tem sido os cursos de educação continuada, apresento a seguir um pequeno recorte do que foi trabalhado com um dos grupos de professores: Queríamos explorar um dos DVDs do acervo, para introduzir o participante ao estudo da arte contemporânea. Escolhemos “Regina Silveira: Linguagens Visuais”. Antes de apresentarmos o vídeo, propusemos uma atividade lúdica com a exploração de luz e sombra. Para darmos início a um dos cursos planejados para professores do ensino fundamental da rede Municipal da Cidade do Recife, propusemos uma atividade lúdica: brincar com sombras.
“No princípio era a sala escura. A luz se projetou sobre a tela branca na parede e eis que surgiram desenhos, sombras, formas projetadas de coisas banais que pouco a pouco ganhavam significado. Copos descartáveis de plástico, objetos pessoais como brincos, broches, colares, chaveiros, pentes surgiam de dentro das bolsas e sacolas dos professores-alunos. Coisas opacas, coisas transparentes, formas superpostas, justapostas e circunscritas. Concentração, dispersão, repetição, ponto focal, campo visual. Exploração de construção de imagens num exercício lúdico e prazeroso.”
Como ampliar o exercício?
As possibilidades de criação de imagens com luz e sombra são imensas. Com alguns materiais básicos foi possível a exploração do conceito de luz e sombra projetada sobre coisas na sala escura. Luz de vela, luz de pequenas tochas, luz do retro-projetor – instrumento quase sempre presente na sala de aula. Projeção na parede, projeção no chão, projeção no teto, projeção na projeção, jogo de luz e sombra. Abstração. Exploração individual de formas e congelamento da imagem projetada através do desenho.
A discussão em pequenos grupos para estudo de situações a serem exploradas em sala de aula aprofundou a questão metodológica: o estudo do desenho e suas modalidades. O estudo da forma através do teatro de sombras: as possibilidades de construção de personagens, construção do espaço cênico, a criação de estórias sem texto verbal, projeção de cenas. As possibilidades do desenho: desenhar com luz, desenho no espaço, outra forma de desenhar. O desenho e suas várias modalidades: desenho de observação; desenho de imaginação; desenho para registro e anotações; desenho para ilustração; desenho da criança, sua gênese, seu desenvolvimento. Seus materiais. Desenho com múltiplos propósitos.
O passo seguinte foi assistir ao DVD de Regina Silveira. Um exercício para mergulhar na compreensão da arte contemporânea e de ampliar os significados de uma experiência lúdica vivida pelo grupo. O DVD “Regina Silveira, Linguagens Visuais” foi projetado como mais uma etapa para a construção do repertório dos participantes do curso. Observou-se que o conceito de anamorfose, palavra que entre outros significados quer dizer a deformação de uma imagem formada por um sistema ótico, permeia a obra da artista e indica o seu grau de envolvimento com a pesquisa em arte. A artista vai encontrar nos desenhos de artistas do passado, como Brunelleschi, um referencial para sua afirmativa artística e, com o uso de novas tecnologias, inventa desenhos e espaços virtuais; constrói um jogo de ilusão que, às vezes, o espectador experimenta como real e dialoga mais estreitamente com o objeto artístico. O uso dos objetos do cotidiano apresentados como sombras deformadas dos objetos existentes no mundo real provocou o sentimento de mundo desordenado e instável. Mesmo assim, conseguir ver mentalmente em “in absentia” a figura ausente que o vídeo instalação provoca foi uma descoberta gratificante para os participantes e, talvez, ainda mais, quando conseguiram perceber a referência que a artista faz à obra de Duchamp e descobrir as possibilidades de criação de imagem e construção de metáforas a partir do uso de imagens.
O DVD sobre a obra de Regina Silveira veio desmitificar uma série de dificuldades entre os participantes: a dificuldade em dialogar com a arte contemporânea; a indecisão na escolha de materiais para se trabalhar com arte; a questão mercadológica da arte; a arte como objeto de adorno.
Nesse jeito de simplificar e aproximar o arte-educador à obra de arte, seja ela de artistas brasileiros ou de outras culturas, seja a obra original ou reproduzida, seja através do processo reflexivo sobre uma prática pedagógica ou criativa, as barreiras que impedem o acesso do público escolar à obra de arte diminuem, e o lugar da mediação entre arte e público ganha espaço.
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