Dialogue + Dialoog + 對話 + Dialog + Диалог + Διάλογος + 대화

[do grego diálogos, pelo latim dialogus] – 1. Entendimento através da palavra, conversação, colóquio, comunicação. 2. Discussão ou troca de idéias, conceitos, opiniões, objetivando a solução de problemas e a harmonia. [dialogosentrearteepublico@gmail.com]

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Formação continuada dos(as) educadores(as) como espaço de diálogo com a arte
Cristiane Maria Gonçalves Soares;
Gisélia Maria Sátiro da Silva;
Jaísa Farias de Souza Freire;
Maria Auxiliadora de Almeida

A formação docente, nos últimos anos, vem sendo revisitada como um dos pontos centrais para o desenvolvimento de uma educação que responda às exigências impostas pelas novas relações estabelecidas nas sociedades.

A institucionalização da formação continuada dos profissionais da educação se constitui em aspecto conseqüente para a qualidade da educação pública, desde que a consideremos como espaço de acesso dos educadores à diversidade de conhecimentos que se produz no âmbito da sociedade e de permanente ressignificação das práticas pedagógicas.

Tratando-se do ensino da Arte, com a sua obrigatoriedade no currículo escolar da Educação Infantil ao Ensino Médio e o estabelecimento de conteúdos específicos como parte constitutiva dos currículos escolares, constante na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, torna-se mais evidente a necessidade de os docentes se apropriarem de competências na área da Arte, considerando-se que:

Sem uma consciência clara da sua função e sem uma fundamentação consistente de arte como área de conhecimento com conteúdos específicos, os professores não conseguem formular um quadro de referências conceituais e metodológicas para alicerçar sua ação pedagógica (BRASIL, 1997: 32; 51)

Essa necessidade foi explicitada pelos(as) professores(as) regentes dos anos iniciais do Ensino Fundamental(i) da Rede Municipal de Ensino do Recife, durante consulta sobre os componentes curriculares que apresentavam maior dificuldade na prática pedagógica no cotidiano das escolas, realizada no ano de 2005, em que o ensino da Arte consta como terceiro componente curricular mais indicado e, conseqüentemente, como demanda emergente a ser tratada na formação continuada em rede.

A arte, além de ser expressão, é objeto de conhecimento, pois vem sendo construída historicamente pela humanidade nos seus diversos contextos e culturas. Essa afirmação nos coloca diante do conteúdo da arte, que é resultado das experiências de vida do homem, seus modos de sentir, ver, perceber, pensar e simbolizar tudo isso através da imagem, do som, do gesto, do movimento, da palavra. Portanto, ensinar arte significa aproximar os estudantes da produção histórica, social e cultural artística, garantindo-lhes a possibilidade de conhecer essa produção e, ao mesmo tempo, promover situações didáticas que os levem a imaginar e a construir propostas pessoais ou grupais com bases nos seus conhecimentos e intenções.

Considerando tais fundamentos, a Secretaria de Educação, Esporte e Lazer da Prefeitura do Recife, na sua Proposta Pedagógica, concebe a Arte como construção histórica, social e cultural na qual o ler, o fazer e o contextualizar se constituem como ações básicas que devem ser articuladas no processo de ensino e aprendizagem em Arte(ii). Concebendo-a assim, é necessário inserir esse componente curricular nos programas de formação continuada, para que o(a) educador(a) possa exercitar suas capacidades cognitivas, perceptivas e imaginativas no contato com o conhecer e o fazer arte e possa construir propostas didáticas para os educandos.

Portanto, pensar o ensino da Arte num processo de formação continuada de professores(as) pressupõe pensar no seu objeto de estudo, que é a própria arte, como também em objetivos educacionais e caminhos metodológicos. A arte, por ser forma de expressão, constitui-se como linguagem e, de acordo com as diferentes possibilidades expressivas, possui signos específicos, quer dizer, possui uma gramática própria.

Nesse sentido, o desafio para o(a) professor(a) polivalente não é apenas o da apropriação das linguagens da arte, mas também, o de transformar os conhecimentos em práticas didático-pedagógicas que promovam seu acesso e o dos estudantes a uma real compreensão de diferentes expressões, patrimônios e manifestações da arte.

É bem verdade que o debate em torno do ensino da Arte tem sido dirigido ao papel do arte/educador, geralmente especialista em uma das linguagens da arte, e pouco se fala do professor polivalente que, mesmo não tendo a formação em arte, é responsável pelo currículo instituído. Essa realidade não deve ser apenas uma lacuna ou um limite imobilizador, mas um ponto de partida para criação de apoio pedagógico aos docentes via modelo de formação continuada que considere o interesse do docente dentro das linguagens que se lhe apresentam no campo da arte; a flexibilização das metodologias e do tempo dos cursos oferecidos; a parceria com as diversas instituições que produzem e/ou veiculam bens culturais e artísticos na cidade.

Partindo dessas idéias, a formação continuada vem acontecendo, desde 2006, através de mini-cursos e/ou oficinas nas linguagens artísticas escolhidas pelo professor e realizadas em diferentes espaços da cidade como museus, galerias, ateliês, centros de artes, entre outros, através de parcerias estabelecidas.

Contribuir para a construção de competências que favoreçam o desempenho dos professores e coordenadores/ pedagógicos de 1º e 2º Ciclos de Aprendizagem na organização da prática pedagógica em Arte, visando à ampliação da sua formação pessoal, docente e cultural, é o objetivo principal dessa formação continuada, assim pensada e realizada:

I – Oferta de um Curso de Introdução à Arte, ministrado pela equipe do Núcleo de Arte, oferecido aos duzentos e quarenta coordenadores pedagógicos, que atuaram como tutores no cotidiano das escolas, no período de maio a junho de 2006, e realizado na Escolinha de Arte do Recife. Esse curso pretendeu desencadear um processo de reflexão e ampliação do ensino da Arte com leitura e discussão de textos; apreciação de textos artísticos; contextualização histórico-cultural; criação e produção artística; transposição didática no cotidiano escolar e socialização de experiências vivenciadas na escola. A carga horária do curso foi de 16 horas, distribuídas em quatro módulos:

1) Conceito de arte e concepção de ensino da Arte;
2) Artes Visuais – Conceito, modalidades, signos, gêneros e tendências estéticas;
3) Teatro – Conceito, signos, jogo dramático, jogo teatral, aspectos históricos;
4) Música – Conceito, signos, paisagem sonora, experimentação sonora.

No cotidiano da escola, os coordenadores ofereceram, no mínimo, quatro encontros com duração de duas horas cada um, com atividades selecionadas a partir da compreensão e das discussões realizadas durante o curso e também utilizando os subsídios disponibilizados, como imagens (impressas e em CD) e textos.

II - Oficinas Interativas, oferecidas em julho de 2006, mobilizaram todos os professores do 1º e 2º Ciclos de Aprendizagem, distribuídos em oitenta e uma turmas de oficinas em diferentes linguagens artísticas. As oficinas tiveram como objetivo contribuir para que os educadores vivenciassem processos de criação e compreendessem o desenvolvimento do percurso criador dos educandos de 6 a 10 anos, como também subsidiá-los quanto às possibilidades de transposição didática. Nessa etapa da formação, houve parceria com diversas instituições culturais e educacionais e com profissionais das diversas linguagens da arte. A idéia da consulta prévia tem-se constituído como um exercício da instituição ao considerar o educador como sujeito de seu processo de aprendizagem na formação continuada. Com efeito, optando pela linguagem com que mais se identifica, haveria uma maior receptividade e aproveitamento das oficinas pelos docentes, bem como a possibilidade de socialização das diversas oficinas/linguagens nas escolas. Assim considerando, as oficinas foram constituídas da seguinte forma:

Artes Visuais: desenho, pintura e gravura, escultura, arte no computador, vídeo e fotografia;
Teatro: teatro humano e teatro de bonecos;
Música: produção de jogos musicais e produção vocal, corporal e instrumental;
Dança: consciência corporal e movimentos expressivos, e
Literatura: contação de histórias e poesia.

A avaliação das oficinas foi realizada pelos professores, na escola, de forma coletiva, com o objetivo de provocar o diálogo através da socialização e reflexão sobre a diversidade de vivências e acesso aos conteúdos da arte. Os dados apurados demonstraram, no conjunto das oficinas, uma pontuação positiva acima de 80% nos aspectos conteúdo, metodologia, contribuição para a prática docente e nível de participação dos presentes.

Nesse processo, observa-se uma mudança de postura dos docentes quanto ao trato com esse componente curricular, ao interesse pela leitura em arte e à busca de conhecimentos nas linguagens artísticas, proporcionando uma aproximação entre teoria e prática. Constatamos o desdobramento positivo do trabalho, a partir da consolidação, em 2007, do Núcleo de Arte na Gerência de 1º e 2º Ciclos de Aprendizagem, que tem, entre outros, a função e o objetivo de promover e desenvolver ações de apoio, orientação e formação continuada aos professores nas diferentes linguagens artísticas e estabelecer parcerias com instituições formadoras ou de veiculação da arte(iii) para encaminhamento de professores e alunos para cursos e visitações às exposições.

Tem sido notório o desejo de continuidade da formação a partir das inscrições desses profissionais, por adesão, em cursos de atualização oferecidos durante os anos de 2007 e 2008 pelo próprio Núcleo de Arte e pelas diversas instituições parceiras, bem como um aumento expressivo de projetos didáticos junto aos estudantes, envolvendo linguagens artísticas. Percebem-se, ainda, mudanças nas produções desenvolvidas pelos alunos, revelando suas expressões individuais além de conhecimentos construídos nos momentos de estudo em arte, o que nos leva a reconhecer a importância de se investir na formação continuada em Arte.

Esses momentos têm sido ricos, concretizando-se na própria idéia de diálogo com a arte e reafirmando o sentido da formação continuada na perspectiva do sujeito na sua condição de inconcluso e de eterno aprendiz, seja como estudante, seja como formador, levando-o a buscar novos e/ou diferentes caminhos de aprendizagem.
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Referências Bibliográficas
BARBOSA, Ana Mae. A Imagem no Ensino da Arte. São Paulo: Perspectiva, 1991.
_______. Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte. São Paulo: Cortez, 2002.
BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais.2
.Arte:Ensino de primeira à quarta série.I.Título. Brasília: MEC/SEF, 1997.
RECIFE, Secretaria de Educação Esporte e Lazer. Proposta Pedagógica da Rede Municipal
de Ensino do Recife – Construindo competências, Recife, 2002.

i Professor que tem formação em Normal Médio ou Pedagogia, que atua no Ensino
Fundamental I (de 1ª a 4ª séries ou no 1º e 2º Ciclos), também chamado de polivalente.
ii A Proposta Triangular como abordagem norteadora para o ensino da Arte surge no
Brasil nos anos oitenta e noventa, tendo seus fundamentos sistematizados por Ana
Mae Barbosa.
iii Instituições parceiras: Escolinha de Arte do Recife; Projeto Arte na Escola /UFPE;
Fundação Joaquim Nabuco “Projeto Primeiro Olhar”; Centro de Formação em Artes
Visuais da Fundação de Cultura da Cidade do Recife; Museu Murillo La Greca; Instituto
Cultural Banco Real; Oficina Cerâmica Francisco Brennand; Instituto Lula Cardoso
Ayres; Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães; Torre Malakoff; Museu do Homem
do Nordeste; Escola Municipal de Frevo; Museu de Arte Contemporânea de Olinda;
entre outros.
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Os Cursos de Educação Continuada
do Pólo UFPE como espaço de mediação em arte
Sebastião Pedrosa

Início de abril de 2008. Saindo da sala de aula, sou interpelado por um ex-aluno da habilitação de Artes Plásticas da Licenciatura em Educação Artística da UFPE: “Como se dá o processo de mediação em arte no Projeto Arte na Escola em Pernambuco?”. Respondi: “esta não é uma questão simples para ser respondida em uma frase”. Então, pensei: a questão merece reflexão e pode ser o ponto de partida para um redirecionamento das ações pedagógicas no Pólo UFPE.

O público com o qual temos trabalhado mais diretamente, desde que o Projeto Arte na Escola foi implantado na UFPE, em maio de 2004, é o professor de arte da escola pública, que, em sua maioria, não teve formação em arte. Desde a sua implantação, o Pólo UFPE tem oferecido sucessivos cursos de educação continuada.

As questões recorrentes surgidas daqueles que freqüentam os cursos indicam a inexistência de materiais e espaços adequados para se trabalhar na escola, como também o distanciamento e falta de contato com arte. É certo que toda regra tem exceção e, portanto, não é tão raro surgir aquele ou aquela que demonstra o hábito de visitar as exposições de arte na cidade. Outra revelação freqüente é dos professores afirmarem ter realizado seu último desenho ainda quando eram crianças. O distanciamento entre ver, fazer e ensinar arte, nesse universo de professores, tem-nos levado a pensar numa mediação que proporcione a esses professores a construção de um repertório em arte. Consideramos esses cursos como oportunidades para acolher o professor no exercício de partilhar incertezas e curiosidades, descobertas estéticas e inquietações pedagógicas com relação ao ensino da arte.

É possível que o professor não precise ser artista para ensinar arte, mas necessita ter conhecimento e um repertório em arte os quais abrangem questões de natureza teórica e prática. Isso implica passar também por uma experiência em que se exercitem etapas da produção da obra artística. Por isso, quando os cursos são planejados, pensamos na aproximação do professor com a obra de arte através da inter-relação entre o ver e falar sobre a obra, como também no desdobrar o seu pensamento visual através da expressão plástica.

A aproximação do professor com a obra de arte, nos cursos de Educação Continuada do Pólo UFPE, tem acontecido de várias maneiras. Os materiais de apoio didático fornecidos pela rede Arte na Escola, como o “kit arte br”, a “DVDteca” e os “livros didáticos” têm sido fundamentais nessa construção. Os DVDs se destacam com especial importância na ação pedagógica. Esse material facilita a discussão, ajuda na percepção e na construção do repertório do professor com relação à arte, mas não substitui a experiência sinestésica, quando se entra em contato direto com a obra de arte ou quando se manipulam os materiais necessários à construção de uma obra artística. Nem sempre nos damos conta das complexas relações possíveis que podem ser estabelecidas entre a nossa percepção ou fruição e a produção artística através de reproduções da obra, e também, certamente, em contato direto com a obra, se uma efetiva reflexão não for estabelecida. Assim, num primeiro momento, os cursos priorizaram as discussões sobre aprender e ensinar artes visuais no contexto escolar formal, explorando os seguintes estágios:

• Explicitação do repertório de artistas familiares aos participantes dos cursos: quais os artistas conhecidos? De que falam suas obras? Quais as relações estéticas possíveis entre os artistas abordados? Que obras ou propostas estéticas nos causam estranhamento ou, ao contrário, encantamento, e as razões para isso?

• Visitação a espaços expositivos como o Museu de Arte Moderna Aluísio Magalhães (MAMAM), o Instituto de Arte Contemporânea (IAC) da UFPE, o Museu do Estado e a Oficina de Cerâmica Francisco Brennand.

• Exploração de exercícios que envolvam questões metodológicas do ensino da arte: leitura da obra de arte; construção do conhecimento da linguagem visual; a prática do ateliê de arte.

Essas etapas nem sempre seguiam uma ordem seqüencial; o diálogo permanente com os participantes determinava a dinâmica dos encontros. Para efeito de ilustração do que tem sido os cursos de educação continuada, apresento a seguir um pequeno recorte do que foi trabalhado com um dos grupos de professores: Queríamos explorar um dos DVDs do acervo, para introduzir o participante ao estudo da arte contemporânea. Escolhemos “Regina Silveira: Linguagens Visuais”. Antes de apresentarmos o vídeo, propusemos uma atividade lúdica com a exploração de luz e sombra. Para darmos início a um dos cursos planejados para professores do ensino fundamental da rede Municipal da Cidade do Recife, propusemos uma atividade lúdica: brincar com sombras.

“No princípio era a sala escura. A luz se projetou sobre a tela branca na parede e eis que surgiram desenhos, sombras, formas projetadas de coisas banais que pouco a pouco ganhavam significado. Copos descartáveis de plástico, objetos pessoais como brincos, broches, colares, chaveiros, pentes surgiam de dentro das bolsas e sacolas dos professores-alunos. Coisas opacas, coisas transparentes, formas superpostas, justapostas e circunscritas. Concentração, dispersão, repetição, ponto focal, campo visual. Exploração de construção de imagens num exercício lúdico e prazeroso.”

Como ampliar o exercício?

As possibilidades de criação de imagens com luz e sombra são imensas. Com alguns materiais básicos foi possível a exploração do conceito de luz e sombra projetada sobre coisas na sala escura. Luz de vela, luz de pequenas tochas, luz do retro-projetor – instrumento quase sempre presente na sala de aula. Projeção na parede, projeção no chão, projeção no teto, projeção na projeção, jogo de luz e sombra. Abstração. Exploração individual de formas e congelamento da imagem projetada através do desenho.

A discussão em pequenos grupos para estudo de situações a serem exploradas em sala de aula aprofundou a questão metodológica: o estudo do desenho e suas modalidades. O estudo da forma através do teatro de sombras: as possibilidades de construção de personagens, construção do espaço cênico, a criação de estórias sem texto verbal, projeção de cenas. As possibilidades do desenho: desenhar com luz, desenho no espaço, outra forma de desenhar. O desenho e suas várias modalidades: desenho de observação; desenho de imaginação; desenho para registro e anotações; desenho para ilustração; desenho da criança, sua gênese, seu desenvolvimento. Seus materiais. Desenho com múltiplos propósitos.

O passo seguinte foi assistir ao DVD de Regina Silveira. Um exercício para mergulhar na compreensão da arte contemporânea e de ampliar os significados de uma experiência lúdica vivida pelo grupo. O DVD “Regina Silveira, Linguagens Visuais” foi projetado como mais uma etapa para a construção do repertório dos participantes do curso. Observou-se que o conceito de anamorfose, palavra que entre outros significados quer dizer a deformação de uma imagem formada por um sistema ótico, permeia a obra da artista e indica o seu grau de envolvimento com a pesquisa em arte. A artista vai encontrar nos desenhos de artistas do passado, como Brunelleschi, um referencial para sua afirmativa artística e, com o uso de novas tecnologias, inventa desenhos e espaços virtuais; constrói um jogo de ilusão que, às vezes, o espectador experimenta como real e dialoga mais estreitamente com o objeto artístico. O uso dos objetos do cotidiano apresentados como sombras deformadas dos objetos existentes no mundo real provocou o sentimento de mundo desordenado e instável. Mesmo assim, conseguir ver mentalmente em “in absentia” a figura ausente que o vídeo instalação provoca foi uma descoberta gratificante para os participantes e, talvez, ainda mais, quando conseguiram perceber a referência que a artista faz à obra de Duchamp e descobrir as possibilidades de criação de imagem e construção de metáforas a partir do uso de imagens.

O DVD sobre a obra de Regina Silveira veio desmitificar uma série de dificuldades entre os participantes: a dificuldade em dialogar com a arte contemporânea; a indecisão na escolha de materiais para se trabalhar com arte; a questão mercadológica da arte; a arte como objeto de adorno.

Nesse jeito de simplificar e aproximar o arte-educador à obra de arte, seja ela de artistas brasileiros ou de outras culturas, seja a obra original ou reproduzida, seja através do processo reflexivo sobre uma prática pedagógica ou criativa, as barreiras que impedem o acesso do público escolar à obra de arte diminuem, e o lugar da mediação entre arte e público ganha espaço.
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O museu e seu público no mundo “contaminado”
Alexandre Dias Ramos

De que maneira um museu, nos dias de hoje, deve se relacionar com o público? Que público vai ao museu e quais os modos de apreensão que estão envolvidos no contato com a obra de arte, num mundo tão “contaminado” pelos meios de comunicação?

A “verdadeira obra de arte” tem aura, é original, autêntica, bonita... é sagrada, deve, portanto, ser mantida em ambiente ideal e exposta em lugar adequado, para um público adequado, relacionado a tudo o que se diz da Arte ao longo da História.

Será? Há muita confusão entre o pensamento tradicional museográfico – diretamente ligado aos cânones da História da Arte Ocidental – e a “contaminação” (para o bem e para o mal) dos meios de comunicação de massa na percepção das leituras da obra de arte. Sem dúvida, diminuiu o desequilíbrio dos tempos passados, em que a posse econômica ditava a hierarquia, assim como selecionava, com exclusividade, o público autorizado ao acesso aos bens simbólicos mais importantes. Agora essa hierarquia, ou melhor dizendo, esse posicionamento no campo cultural se organiza conforme o uso das estratégias e instrumentos daquele que possuir a informação e souber o que fazer com ela. O “ambiente ideal” deu lugar à multiplicidade de tempos e espaços, a aura (antes intocável) deu lugar à produção em massa e à fugacidade do objeto descartável, as regras da arte deram lugar às possibilidades da arte – que são muitas e dependem de quem as produz, de quem as divulga e de quem as vê. O processo artístico e os procedimentos museográficos tiveram de enfrentar as novas exigências da comunicação e de se adaptarem a elas. O pedestal de mármore foi substituído pelo suporte da mídia.

Mas será que a mídia promoveu o completo fim do sagrado? Não exatamente. Desconsiderando os medos da Escola de Frankfurt em relação à alienação dos meios de comunicação, vamos pegar o caso da TV: alguns espetáculos televisivos, concertos de rock, eleições, campeonatos de futebol e jogos olímpicos, por exemplo, podem, muito além do que se poderia imaginar, intensificar o sentido de sagrado. Vemos telespectadores participando ativamente de intensos processos de ritualização, vestindo-se de maneira especial, com uniformes, bandeiras, marcando encontros para uma participação coletiva de alegria, curiosidade ou dor (caso dos históricos funerais transmitidos via satélite). A televisão trouxe consigo a consciência do simulacro, da virtualidade, mas manteve instrumentos importantes para a fabricação e manutenção de tradições, cultos e conexões transnacionais. Os meios de comunicação destruíram a hegemonia da sacralização ortodoxa em nome de uma religião de práticas sociais que criam e recriam símbolos sagrados, muitas vezes no tempo e na efemeridade de um clic.

Porém, a idéia de que a cultura midiática regula totalmente o consumo desconsidera o comportamento dos consumidores e as desigualdades econômicas e culturais que limitam tais ações. Na maioria das vezes, as pessoas sabem a diferença entre as coisas, os produtos e a realidade. Sabem também qual a sua própria realidade. Entendem, por razões próprias, por que gostam mais de um trabalho de arte do que outro. Portanto, não se deve pensar o público como uma massa culturalmente dopada, subestimar sua formação. E, para que haja diálogo entre o museu e o público, é preciso levar em consideração as formas culturais que resumem as intenções dos produtores – seus propósitos e suas relações com produtos, patrocinadores, artistas etc. – e a diversidade de gostos, interesses e linguagens de seu público.

Edgar Morin vai dizer que “nossa relação com o mundo exterior passa não apenas pelas mídias informacionais, mas também por nossos sistemas de idéias, que recebem, filtram, fazem uma triagem daquilo que as mídias nos trazem. Em relação às coisas sobre as quais não temos opinião formada ou preconceito, somos extremamente suscetíveis às informações.” Processa-se, portanto, uma espécie de sistema circular contínuo, em que os agentes culturais produzem o que o público absorve ao mesmo tempo em que também produz... Conversar, assistir, apreciar, consumir são atividades exercidas na difusão dos meios de comunicação e filtradas, diversificadamente, conforme o habitus de classe específico de cada um. Os modos de recepção da informação são tão diversos quanto sua difusão.

Enfrentamos, hoje, novos processos de produção industrial e eletrônica, de circulação massiva e transnacional e, conseqüentemente, novos tipos de recepção e apropriação. Na medida em que cresce o domínio do homem sobre esses infinitos meios de informação, opera-se uma mudança no próprio homem e na percepção daquilo que ele produz. A chave, então, está no processo de seleção e interpretação da informação. O museu pode dar essa chave, servir de interface entre o arcabouço cultural do conhecimento erudito e o cotidiano.

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PROJETO MUSISER:
Uma abordagem psicodinâmica sobre a importância da música no desenvolvimento do ser humano
Heloisa Maibrada

A idéia de que a Música tem o poder de contribuir para o bem-estar do ser humano não é novidade. Desde a Grécia antiga, filósofos, a exemplo de Platão e Aristóteles, advogavam o ensino e a prática musical como disciplina tão essencial na formação do educando quanto outras, como a retórica, a lógica e a matemática. A frase de Platão: “A música dá alma ao coração, asas ao pensamento e impulso à imaginação” pode bem demonstrar o alto conceito que essa arte tinha para o filósofo.

Os três pontos a que Platão chama a atenção na frase sobre a ação da música no ser humano são, na verdade, três chaves essenciais no processo do seu desenvolvimento: o coração, o pensamento e a imaginação. O coração está ligado à afetividade e às emoções; o pensamento, ao raciocínio, à lógica e ao mundo das idéias; e a imaginação, à criatividade e à inspiração. Um desenvolvimento equilibrado desses três pilares, aliado a um processo físico saudável, pode contribuir para o despertar do potencial individual intrínseco de cada ser humano em todas as áreas de sua vida, auxiliando, conseqüentemente, a dinamização da sociedade e a evolução humana como um todo.

Que a música age sobre o coração e, conseqüentemente sobre as emoções, não há o que questionar. Muitos são os exemplos de músicas, tanto populares quanto de caráter mais erudito, que emocionam e despertam sentimentos variados. A busca por músicas que provoquem determinado efeito emocional está demonstrada na diversidade musical disponível ao público no mercado em geral. Como bem disse Robert Jourdain: “Algumas pessoas usam a música como um estimulante; outras, como tranqüilizante; algumas procuram intensidade e beleza; outras, distração e barulheira...”(i)

Entretanto pouca atenção tem sido dada ao potencial intrínseco da música como um meio dos mais eficazes para dinamizar o desenvolvimento. No ensino de crianças pequenas, algumas músicas são ensinadas, muitas vezes, pelo seu conteúdo tradicional da cultura, para a aprendizagem divertida de letras pedagógicas, ou simplesmente por pura diversão. Neste âmbito específico, conta muito o conteúdo das letras, acompanhado por uma música agradável ou engraçada. A focalização em elementos puramente musicais, entretanto, presentes em músicas instrumentais, tem sido relegada às escolas especializadas ou a algumas poucas escolas inovadoras que disponham de um profissional com capacitação no ensino da música. Por outro lado, a disciplina do ensino da música nas escolas especializadas, apesar de proporcionar uma base musical teórica sólida, muitas vezes deixa pouco espaço disponível para a exploração espontânea e curiosa da criança.

Dentre os elementos que constituem a música, ou seja, ritmo, melodia e harmonia, o ritmo tem especial importância tanto para a fundamentação musical, quanto para o desenvolvimento humano, permitindo que agrupamentos de sons melódicos e harmônicos tenham uma coerência e seqüencialidade no tempo e, através do treino corporal e perceptual, traz uma organicidade física a essas percepções. Sem uma realização física e orgânica do ritmo, a execução musical perde-se no estereotipismo e na mecanicidade ou, então, na incapacidade coordenadora de movimentos. O ritmo é também um elemento que está presente no universo em infinitas modalidades, seja no ritmo do dia e da noite, no ritmo das marés, no ritmo do pulsar do coração e em outros tantos ritmos. Fala-se de uma pessoa que trabalha com ritmo “a todo vapor”, outra “devagar, quase parando”. A percepção física do ritmo, através de movimentos corporais amplos, é um dos principais alvos do Projeto MUSISER, uma vez que essa clareza traz a integração de movimentos precisos e expressivos em sintonia com as idéias musicais.

O processo dessa integração rítmico-musical proporciona à criança uma maior facilidade no aprendizado de conceitos espaço-temporais, inclusive do raciocínio lógico e matemático. As diversas divisões rítmicas, bem como a disposição das notas da escala musical e dos intervalos entre os sons, são todos baseados em números. Algumas pesquisas realizadas nos Estados Unidos e em outros países têm demonstrado que crianças que foram submetidas a um aprendizado musical apresentaram mais facilidade nessas áreas de raciocínio do que outras que não tiveram acesso ao ensino musical.(ii)

O Projeto MUSISER, entretanto, não visa simplesmente trazer ao público esse resultado, mas, especialmente, através de atividades criativas e auditivas, realizadas através de audições de músicas, de improvisações e de processos simples de composição musical, dinamizar o potencial criador da criança. A criatividade permite que ela ouse utilizar todo o seu potencial imaginativo. Durante o período préescolar, especialmente na faixa dos quatro aos seis anos de idade, faixa do público-alvo do Projeto MUSISER, a curiosidade infantil ainda não está tão limitada por padrões externos, padrões esses que serão gradativamente estabelecidos na formalização escolar dos anos posteriores. Portanto, a possibilidade de experimentar com os sons e ritmos musicais nos anos pré-escolares torna-se uma experiência muito enriquecedora, que pode ajudar a dinamizar outros empregos de sua criatividade e originalidade. A experiência sensorial é parte fundamental no desenvolvimento da criança nessa fase, e tudo o que for apreendido pela criança servirá como base para o seu desenvolvimento intelectual e emocional. A audição de músicas agradáveis irá lhe propiciar experiências estéticas, estimulando-a, inspirando-a e sensibilizando-a para o que é mais harmonioso e inspirador. Dessa forma, a música passa a ser vivenciada em seu aspecto mais puro e global antes de qualquer sistematização teórica, visando despertar e impulsionar todo o potencial criativo e expressivo da criança.

O retorno do ensino da música às escolas de ensino fundamental e médio, que está em vias de ser aprovado no Congresso, virá colocar a música mais uma vez como parte integrante dos currículos escolares, o que poderá beneficiar imensamente as gerações futuras. No entanto, é necessário que a música seja inserida como algo dinâmico, com um propósito maior do que o de divertir ou do que o da aprendizagem de conceitos teóricos. A vivência de experiências sensibilizantes de ouvir música, de cantar, e, especialmente, de criar música poderá trazer resultados surpreendentes que irão auxiliar várias outras áreas do desenvolvimento humano. Como afirmou o escritor e crítico de arte inglês Herbert Read (1893-1968) a respeito das implicações da abordagem artística na educação:

O objetivo de uma reforma do sistema educacional não é produzir mais obras de arte, mas pessoas e sociedades melhores. (...) porém, essa atividade artística das crianças pode ser o começo de uma reforma mais ampla. A partir do momento em que os poderes criativos são liberados em uma certa direção,(...) a partir do momento em que os grilhões da passividade da escola são rompidos, uma espécie de liberação íntima, o despertar de uma atividade mais elevada, em geral acontece.(iii)

E continuando:

O objetivo da educação estética nas crianças nunca pode, portanto, ser a produção de um tipo de arte em conformidade com um padrão canônico ou esteticamente “superior”, embora a existência de tal padrão seja admitida (...) O objetivo da arte na educação, que deveria ser idêntico ao propósito da própria educação, é desenvolver na criança um modo integrado de experiência (...) em que a percepção e o sentimento se movimentam num ritmo orgânico, numa sístole e diástole, em direção a uma apreensão mais completa e mais livre da realidade.(iv)

O projeto MUSISER foi elaborado em finais de 2007 e está, atualmente, em andamento como um Projeto de Pesquisa do Departamento de Música da UFPE. O interesse pelo tema da importância da música e, também, de outras artes para o desenvolvimento humano, entretanto, não é casual. É decorrente da mudança de pensamento que vem se desenvolvendo em diversos países, buscando idéias e ideais mais abrangentes e menos restritos unicamente ao método científico de pensar. Os desafios atuais de ordem ecológica, social e emocional têm resultado em uma crescente preocupação com aspectos ligados especialmente à educação. Entretanto, no que diz respeito à aprendizagem musical, é preciso começar cedo. De acordo com a teoria das inteligências múltiplas de Howard Gardner, da Universidade de Harvard, a musicalidade é uma inteligência que pode ser despertada nos primeiros anos de vida através das influências absorvidas nos lares e nas escolas.(v) É esta a principal meta do MUSISER: comprovar que a música, sendo apresentada como um meio de expressão criativa às crianças antes do ingresso no ensino escolar tradicional, pode vir a favorecer de maneira positiva o seu desenvolvimento integral como ser humano.

E quem sabe, através de uma maior conscientização do público, pais e instituições educacionais, poderemos chegar ao ideal de Platão: trazer mais alma ao coração, mais asas à imaginação e mais impulso ao pensamento.
__________
i Robert Jourdain, Música, Cérebro e Êxtase (Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 1997), 17.
ii Mary Miché, Weaving Music Into Young Minds (Albany, NY: Delmar, 2002), 56.
iii Herbert Read, Educação Pela Arte ( São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora Ltda., 2001), 63.
iv Ibid., 115.
v Miché, 39.
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Diálogos Imaginários no Museu
Histórico e Antropológico do Ceará:
atravessando fronteiras para dinamizar
ou problematizar a vida?
Carolina Ruoso

A revista nos convidou para escrever sobre um tema instigante do nosso presente: produzir uma reflexão sobre as possibilidades de relações que um Museu pode construir com o público nos processos de mediação de saberes e gostos. Essa inquietação faz parte do cotidiano de quem trabalha em instituições culturais, pois não há exatamente uma resposta e os caminhos que vêm sendo tracejados contribuem na construção de propostas que intentam dialogar com os desafios museais deliberados pela nossa contemporaneidade.

Esses desafios partiram de desejos por uma sociedade mais sensível às questões sócio-culturais postas em pauta no mundo e pela forte ligação dos museus aos espaços de entretenimento, combinando museu e consumo. Constituiu-se, então, um ponto de tensão nas abordagens direcionadas ao público. Era preciso estabelecer novos procedimentos para atrair público e a pergunta “para que serve um Museu?”, depois dos anos cinqüenta do século XX, foi fundamental para a construção de definições políticas com relação às funções sociais do museu. É dentro dessa polêmica que trazemos o Insigne Projeto Capistrano de Abreu, do Museu Histórico e Antropológico do Ceará, com o tema Museu – Escola, para que, no diálogo com experiências do passado, ensaiemos provocar o presente.

O projeto era em homenagem ao historiador cearense Capistrano de Abreu, não pela abordagem historiográfica de sua escrita, mas porque ele era um cearense considerado digno para ser referenciado como herói e, nesse caminho, servia como exemplo histórico. Outro indício provocador está na escolha de um historiador como mestre de um projeto que trazia, nos seus objetivos, a intenção de conquistar os jovens e estimular neles a vontade de pesquisa no Museu. Era um historiador como patrono do gosto pela história, era um nome forte, revelador de uma abordagem histórica personalista e legitimador de uma proposta educativa: levar o museu até as escolas. Que museu e para qual escola?

Essa iniciativa foi desenvolvida pelo diretor da casa, Osmírio de Oliveira Barreto, e aconteceu com maior freqüência nos anos oitenta do século XX, durante sua gestão de quase vinte anos (1971-1990). Tratouse de uma iniciativa, nos anos de ditadura no Brasil, período em que a força de uma tradição re-inventada e os usos da memória estavam voltados às celebrações de acontecimentos e símbolos que representavam a comemoração de um passado legitimador de uma “essência nacional”, da moral e da família(i).

Os museus também estavam envolvidos nas disputas pela memória, pois através das suas exposições, dos seus objetos e das suas práticas sociais, os museus históricos constroem uma história da nação, que sempre é retomada como tradição quando se faz necessário provocar o espírito nacionalista. E a História, como mestra da vida, era fundamental na conquista dos corações juvenis que eram convidados ao encantamento e à construção de uma admiração pelo Museu de História, o desenvolvimento de um gosto atravessado pela sacralidade e pelo reforço ao respeito a esses símbolos da nação, referências do patriotismo. Amar a história era amar a pátria?

Nesse sentido, era aplicado o trabalho educativo do programa de dinamização. Havia uma História a ser transmitida de maneira expositiva, que estaria pronta para ser acatada e reproduzida. Esse era o método valorizado para atrair o público jovem ao museu, a denominada pedagogia do dedo em riste ou educação bancária. Essa prática ainda está presente em muitos dos nossos museus de história ou de arte. O debate em torno do museu(ii) como lugar de reflexão sobre os problemas sociais e ainda como laboratório da história pautado na construção de uma relação de diálogo com a comunidade é do mesmo período e vem, com o passar dos anos, ganhando mais força conceitual, mais adeptos e mais pesquisas. Então, em que consiste o trabalho de mediação quando a proposta é o diálogo construtivo? Como fazer desse lugar de memória um espaço de problematização da vida?

O próprio diretor do Museu Histórico e Antropológico do Ceará mandou fotografar os objetos e as salas em exposição, montou um conjunto de aproximadamente oitenta slides coloridos para compor uma apresentação. Esse gesto produziu um recorte, uma apropriação simbólica daqueles objetos e formou uma coleção sobre o acervo, que passaria, posteriormente, a fazer parte das coleções do Museu do Ceará. Com esse material em mãos, o diretor agendou visitas, esteve em diferentes escolas da cidade de Fortaleza e não se esqueceu de agendar também com os jornais da cidade para registrar publicamente as suas ações museais. Quando chegava às escolas, organizava seu projetor e palestrava com os estudantes, partindo dos objetos-biografados(iii) para falar das personalidades da história do Ceará ou dos seus acontecimentos. Depois da apresentação, convidava a platéia para visitar o Museu Histórico e Antropológico do Ceará.

No Brasil, inicialmente, foram os museus históricos que trouxeram a preocupação com a formação de coleções que narrassem uma história nacional, as quais foram organizadas dentro da perspectiva de seus fundadores. Nessa preocupação, já existia uma intenção educativa para com o público: contar a história do Brasil. Cada museu acreditava estar expondo da maneira mais fiel e, assim, o público visitaria o museu para comprovar a existência da história. Nesse início, os museus foram se formando, constituindo suas coleções através das doações de objetos da cultura material. Os museus são lugares de produção de imortalidade.(iv)

No entanto,

(...) o período subseqüente à II guerra mundial marcou o início de uma transformação qualitativa e quantitativa nos processos de activação patrimonial, fruto de uma nova sensibilidade em face aos referentes culturais potencialmente patrimonializáveis, conferindo novos usos e sentidos a objectos, modos de vida, saberes e lugares. A procura da autenticidade e da tradição configura-se, assim, como uma característica distintiva das novas formas de consumo cultural, às quais o patrimônio e os museus não permaneceram indiferentes.(v)

Os museus, a partir da segunda metade do século XX, começaram a mudar seus focos de atuação, desviaram um pouco a centralidade nos objetos e passaram a direcionar suas ações ao grande público. As preocupações estavam relacionadas à divulgação, ao nível das informações contidas nas exposições, à educação e à formação de novos freqüentadores, ao estabelecimento de um discurso autorizado sobre respeito ao patrimônio cultural e, ainda, com a construção / destruição de uma distinção culta(vi).

O ato de deslocar os objetos do museu, que já haviam perdido seu valor de uso, classificados como bens culturais, apropriados numa fotografia e, por esses motivos, redimensionados no espaço, quando projetados por uma luz, e que estavam inseridos em um sistema próprio de organização, produzia uma metamorfose geradora de um novo museu. Para Malraux, qualquer obra que pudesse ser fotografada pertenceria ao seu Museu Imaginário. As possibilidades de relações eram infinitas, como num jogo de similitudes, era possível encontrar, segundo ele, estilos de unicidade entre obras de técnicas e períodos distintos. A ação do professor de história da arte ao levar à sua sala de aula uma caixa de slides a fim de apresentar uma organização e uma leitura da arte aos estudantes era um método constitutivo do museu de Malraux.(vii)

Seria essa prática de dinamização um Museu Imaginário? Todo o investimento em tornar o Museu Histórico e Antropológico do Ceará um espaço conhecido na cidade pelos seus estudantes e visitado por um maior número de pessoas consistia em uma ação inovadora no campo da museologia. Mesmo cheia de contradições, trata-se de uma importante contribuição para a divulgação nas escolas e para a construção de uma maneira de visitar, anotando as legendas dos objetos e nomeando isso de pesquisa. Note-se que muitas escolas que receberam a visita com a projeção dos slides do Museu mantêm, até hoje, na sua agenda, pelo menos uma visita anual ao Museu do Ceará. No entanto, ficava faltando o estímulo ao desenvolvimento da imaginação criadora com o uso dos jogos de similitudes e a produção de relações entre os objetos, pois os estudantes não eram convidados a questionar a construção daquela história, eram reunidos para serem fisgados pelo amor à pátria.

As iniciativas de produção de diálogo com o público são de diferentes envergaduras e podem estar focadas somente no público de turistas, como era o caso do Museu Histórico e Antropológico do Ceará antes do Projeto Capistrano de Abreu. Por poder construir uma relação com a comunidade na cidade onde o Museu está situado, esse diálogo deve ser estabelecido compreendendo as potencialidades de participação dos diferentes grupos sociais de cada lugar. Não estando mais limitado apenas a transmitir um conteúdo, esse estabelecimento deve convidar à reflexão e à produção de um patrimônio cultural. Os museus são responsáveis pela construção de memórias em cada uma das atividades que podem ser desenvolvidas pelos seus trabalhadores e, por esse motivo, o diálogo e o compartilhamento de idéias e ações devem estar garantidos, pois é desse encontro que depende a qualidade do trabalho com o público.
__________
i CANCLINI, Nestor. Culturas Híbridas. São Paulo: Edusp, 2000.
ii Para conhecer mais ver os seguintes documentos produzidos pelo pensamento museológico:
Mesa Redonda de São Tiago, Chile 1971; Carta de Quebec de 1984 e
Subsídios para a implantação de uma política museológica brasileira, 1976 produzido
pelo Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais IJNPS são alguns exemplos destacáveis
sobre o tema.
iii O objeto-biografado é aquele objeto da cultura material que pertence ao conjunto do
acervo de um Museu não pelas suas características de objeto, mas por ter pertencido
a alguma personalidade considerada de valor histórico pela sociedade. Conferir em
RAMOS, Francisco Régis Lopes. A danação dos objetos – Chapecó SC: Argos, 2004.
iv ABREU, Regina. A Fabricação do imortal: Memória, história e estratégias de consagração
no Brasil. Rio de Janeiro, Rocco: Lapa, 1996.
v ANICO, Marta. A pós-modernização da cultura: patrimônio e museus na contemporaneidade.
IN: Revista Horizontes antropológicos, Porto Alegre, ano 11, n 23, p 71-86,
jan/jun 2005.
vi BOURDIEU, P.; DARBEL, A. O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seu
público – São Paulo, Edusp e Kouk, 2003.
vii MALRAUX, André. O Museu Imaginário – Portugal, Edições 70, 2000.
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Goya e os jogos: a imagem como análise
Anderson Pinheiro entrevista
o Prof. Dr. Ademir Gebara


Diálogo iniciado após deparar-me com o estudo desenvolvido pelo Prof. Dr. Ademir Gebara, Jogos e brincadeiras em Goya, sobre a análise histórica dos jogos e brincadeiras, antes da história dos esportes modernos, a partir das imagens contidas nas tapeçarias de Francisco de Goya (1746-1828). O referido texto despertou o interesse em questionar como uma imagem pode servir de base imagética de comprovação, de explanação ou mesmo de apoio às idéias de comportamentos humanos no transcorrer da história da humanidade. Nessa entrevista busquei conhecer mais sobre a pesquisa e os possíveis frutos desencadeados a partir do diálogo entre a imagem e os elementos essenciais dos jogos.

Anderson Pinheiro - Ler é atribuir significados, é interpretar o mundo produzindo sentidos, traduzindo-o para a sua própria codificação fato e imagens, tentativa de recontar a aventura humana por meios de linguagens.(i) Partindo dessa citação e tendo como apoio seu estudo sobre os jogos e as brincadeiras a partir das tapeçarias de Goya, gostaria de que falasse um pouco sobre seu processo de utilizar a leitura de imagem. Como começou?

Ademir Gebara - Na história do lazer e do esporte, há uma seção bastante complexa que é a seção das transições do brinquedo para o jogo e do jogo para o esporte. Eu trabalho com essa questão há muitos anos, ela é mais uma questão de história cultural do que história do esporte.

Encontrei, no trabalho do Huizingas (Homo Lundens, 2001), um problema de tradução, já que o livro foi escrito originalmente em alemão (Homo Ludens – vom Unprung der Kultur im Spiel) e no alemão só há uma palavra tanto para jogo quando para brincadeira. Para brincar e jogar é uma palavra só, assim como no espanhol, e diferente do português e do inglês, em que se tem a distinção de jogo e brincadeira.

Percebi isso e comecei a me interessar principalmente pelo fato do Huizingas iniciar seu livro dizendo que o jogo precede à cultura porque os animais também brincam.

Na verdade, o brincar é que precede à cultura, porque o jogar já implica a construção do universo simbólico. Inicia-se a construção de regras, ainda que o grupo que esteja brincando elabore as regras. O brincar implica socialização, mas não implica construção simbólica do que está sendo feito. Nesse sentido, um gato ou um cachorrinho brincam com uma bolinha, mas um humano, quando brinca, é capaz fazer da brincadeira um jogo e do jogo um esporte.

Quando estava na Espanha visitei o Museu do Prado, onde estava um conjunto grande de obras do Goya. Deparei-me com algumas tapeçarias em que ele retratou, bem no começo da carreira, jogos e brincadeiras cotidianas. Ali, observando as tapeçarias do Goya, comecei a pensar que uma análise daquelas figuras poderia me ajudar a compreender algumas sutilezas da transição do brincar para o jogar. Então comprei catálogos e livros sobre Goya, artista do qual eu já gostava muito.

Fui trabalhando nisso muito esporadicamente, porque eu era, naquele momento, professor da UNICAMP- orientava muitos trabalhos na área de história do esporte e história do lazer - e esse trabalho, apesar de ser algo que fermentava na minha cabeça, que não podia jogar no lixo, era um estudo que eu ainda não tinha uma dimensão de onde iria dar. Fui amadurecendo, fiz o primeiro ensaio (Jogos e brincadeiras em Goya, 2004) e apresentei no simpósio regional da ANPUH, que foi na UNICAMP.

Mais tarde, debatendo com alguns colegas, percebi que o ensaio era inconclusivo, que era apenas uma apresentação. Pensei que, mesmo não sabendo aonde eu iria chegar com aquilo, tinha que tentar avançar um pouco mais, e, de fato, na UEL (Universidade Estadual de Londrina) eu consegui terminar a análise dos quadros do Goya. Ampliei um pouco, consegui fazer uma análise um pouco mais detalhada. Foi um ano de observação, comecei a discutir com outras pessoas e percebi que as idéias variavam muito. Em Londrina, tive de, mais uma vez, admitir que o estudo ainda era inconclusivo. A questão era: aonde é que dá para chegar?

Não dava para dizer ainda que eu queria buscar ali elementos que discutiriam a transição, ou seja, por que determinadas táticas corporais se configuram como brincadeiras, outras como brincadeiras e jogos, outras como brincadeiras, jogos e esporte, e porque algumas sempre se configuram como brincadeiras.

Então, continuei a pesquisar e achei novos autores, novos pintores, como Brueghel (Pieter Brueghel, o velho. 1525?-1569), por exemplo, que pintou quase que 200 anos antes do Goya o quadro Jogos infantis (1560), no qual se encontram, mais ou menos, umas 80 brincadeiras. Também achei um autor, contemporâneo ao Goya, que já me permitiu chegar a algum lugar. É um Francês, chamado Fragonard (Jean Honoré Fragonard, 1732-1806), que foi um pintor da realeza na prévia revolução francesa, o que o difere de Goya, os padrões são inversos. O Fragonard estava pintando a nobreza e dentre seus quadros havia dois que me interessavam muito, principalmente o balanço (O Balanço, 1767).

Comecei a comparar. Assim como Fragonard, o Goya tinha uma pintura com um balanço. Ambos possuíam pinturas de “cabra-cega” (Le collinmaillard, Fragonarde, c.1770 e La Gallina Cega, Goya, c.1775/92). Comparando os fatos, foi possível evidenciar que, enquanto o Goya pintava uma família em que as crianças brincavam no balanço, o Fragonard pintava um casal no balanço. Ou seja, na verdade, não é a mesma atividade lúdica, existem múltiplas dimensões. No quadro de Goya, trata-se da família fazendo um piquenique. As crianças brincam, a mãe vigia-os, o pai observa-os de longe, todo mundo deitado, com um tipo de fundo, de emolduração da atividade lúdica. No caso do Fragonard não, é um casal nitidamente jogando o jogo da sedução.

Com esse estudo, eu vou ter uma análise de jogos e brincadeiras do século XVI, em que elas são mais úteis. O Goya e o Fragonard estão no XVIII. Aí eu vou voltar às pesquisas para captar mais. Estou me detendo na fase préesportiva, porque, na verdade, os esportes modernos só vão surgir no século XIX. Eu queria tentar efetuar a análise até o XIX para depois incorporar, com as pinturas, quadros que se refiram a esse assunto. É basicamente isso.

AP - Eu verifiquei que, no texto, o senhor faz uma análise dos cartões de tapeçaria de Goya, seja da posição dos personagens, da forma como eles olham, como eles estão vestidos e até dos próprios corpos, que estão em posições bem diferentes, dando a entender que as atividades eram diferentes ou teriam objetivos diferentes. Há um quadro (Los Zangos, c.1775/92), por exemplo, que mostra personagens uniformizados em cima de pernas de pau e uma moça, numa janela, no lado direito da cena. O senhor diz que parece que eles levam um recado para ela. Existe toda uma organização excessiva que cria uma estratégia. No quadro de Brueghel também há, numa mesma cena, um excesso que é muito pertinente aos temas dele. Em qualquer um deles é possível fazer leituras. Será que, no contexto atual, já que “ler é atribuir significado”, inclusive significados contemporâneos, analisar o conteúdo e a forma como cada um deles foi representado, não modifica ou direciona sua pesquisa?

AG - No primeiro momento, quando comecei a discutir essas coisas, o Edgar DeDecca, uma pessoa com a qual eu tenho uma relação acadêmica bastante constante, disse-me algo assim. Eu pensei um bocado e vi que eu estava propondo uma profunda análise não estética. Na verdade, toda análise é estética, mas não predominantemente estética. Eu estava propondo uma análise que fosse capaz de centrar na atividade motora registrada pelo pintor, ou seja, o resto seria paisagem e molduração da arte. Interessavame saber que tipo de atividade motora havia ali e que contexto se constrói a partir dessa atividade.

Por exemplo, aquele quadro ao qual você se refere é muito interessante. Duas pessoas nas pernas de pau, uniformizadas, com dois jovens, também uniformizados com as mesmas cores no chão. Evidentemente, aquele tipo que está uniformizado sugere algum tipo de atividade profissional, eles estavam nitidamente chamando a atenção, tanto pela perna de pau, quanto pelo uniforme. Estão mostrando que o grupo tinha uma função que os unificava. Poderia ser um meio de comunicação da época, que o Goya retratou ou, simplesmente, um meio de comunicação, de comunicar um evento e de fazer com que essa comunicação fosse bastante observada.

Agora, no meu caso, a análise que eu faço é importante porque é um registro de uma forma de atividade motora que envolve certa técnica, certo nível de profissionalização sugerido pelos uniformes. Só eles estavam uniformizados e a atividade era exercida numa rua, numa praça e não num local específico. Assim como nos outros tapetes de Goya, em que não há nada além de um campo, uma ravina.

Ele estava ensinando como fazer aquilo onde houvesse gente, onde se caracterizava a urbe. É uma atividade física que não evolui para o jogo. Não tem uma atividade, um jogo conhecido e divulgado que seja feito com pernas de pau, você no máximo consegue saber sobre uma corrida com algo parecido com uma muleta.

Embora propondo um universo lúdico, a ação motora não é, necessariamente, uma brincadeira ou um jogo. Isso tem conseqüências teóricas, porque você vai ao jogador de futebol profissional, por exemplo, ele não está brincando. A platéia, o público, o espectador têm uma referência lúdica em relação à ação profissional do jogador, mas o jogador não necessariamente. Ele até pode executar ação de forma prazerosa, ou seja, o que significa brincadeira para alguns, significa atividade profissional para outros.

Não sou historiador da arte, eu apenas achei interessante esse link que serviria de documento para o tipo de problema que estou formulando há anos. Por outro lado, minha formação como historiador me permite trabalhar com múltiplas formas de documentos, muitos tipos de documentos. Mas, mesmo para os historiadores, o uso de quadros e pinturas não é muito comum; é raro. Você até encontra alguns profissionais que usam a imagem, mas como reforço do diagnóstico, como um exemplo de diagnóstico e não como um documento base.
__________
i AZEVEDO, Fernando - XV Congresso Nacional da Federação de Arte-Educadores do
Brasil - Brasília, 2006.
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Mulheres: ocidentais e orientais
Taciana Durão Leite Caldas


Antigamente, a grande maioria das mulheres só iniciava sua vida sexual após o casamento. Em geral, seus maridos já haviam tido experiências sexuais, muitas vezes em relações sem afeto. Hoje em dia, o acesso às informações sobre sexo melhorou bastante. Além disso, os costumes em relação ao namoro e às atividades sexuais estão mais liberados, principalmente, nas grandes cidades e em populações de baixa renda.

Essa maior liberdade sexual vem apresentando, hoje em dia, uma outra conseqüência: está aumentando o número de adolescentes grávidas, e a gravidez está acontecendo cada vez mais cedo na vida das meninas. Isso pode ocorrer por falta de informação sobre os métodos anticoncepcionais. Mas, segundo Osny Telles, no seu livro Começo de Conversa, Orientação Sexual,

(...) ocorre também porque muitas adolescentes estão andando tão depressa, que mesmo tendo informação, não têm maturidade para compreender o risco de ficar grávida e as conseqüências que isso trará para sua vida: ter que cuidar o tempo todo que depende de você. Com os meninos que se tornam pais precoces, o mais comum é que eles não aprenderam que o risco da gravidez também é seu problema e preferem deixar que a menina se preocupe sozinha. (MACHADO, 1993:51)

Eu estava arrumando as mesas para iniciar uma aula e um grupo de cinco alunas, todas com aproximadamente 14 a 16 anos, ofereceramse para ajudar. Todas elas cursavam o 2º ano do 4º ciclo e, enquanto arrumávamos, começamos a conversar. Elas comentavam sobre uma colega que tinha deixado de estudar por ter dado à luz uma criança e precisava tomar conta do filho. O pai da criança tinha sido visto na noite anterior em uma praça “agarrando” outra garota, sem importar-se com o filho recém nascido. Em seguida, começaram a conversar sobre seus namorados, a maioria “ficantes”. Na conversa, elas relataram momentos de intimidade entre eles, sem o menor pudor, querendo mostrar qual namorado era mais dedicado e como eles não tomariam a atitude de abandoná-las caso engravidassem. Percebi claramente na conversa que elas não descartavam a idéia da gravidez e não tinham a menor noção da responsabilidade de criar uma criança.

Essa conversa me assustou, pois me colocou frente a frente com a gravidez na adolescência, questão social importante para a estabilização de uma das células mais importantes da sociedade, a família. Célula essa que está, de certa forma, desestabilizando o papel da escola.

Procurei, então, recursos que, através da arte, pudessem orientar os alunos sobre esse tema e lembrei-me do filme Pollock (2000). Além de apresentar a arte moderna, poderíamos debater sobre a conduta de sua esposa Lee, mulher emancipada, dona de sua vida, que deixa tudo para viver em função do seu amado e, apesar de toda a dedicação, com firmeza de propósito e de caráter, abdica de gerar filhos pela consciência da vida que levavam.

Durante esse tempo, estavam acontecendo as capacitações no Instituto Ricardo Brennand (IRB). Uma delas foi sobre o orientalismo, tema pelo qual me apaixonei, pois abriu horizontes para que as idéias se estruturassem e, assim, eu pudesse organizar as etapas desse projeto. Dessa maneira, pude encaixar o que estava querendo trabalhar e oferecer informações sobre a atualidade, às quais os alunos poderiam assistir em programas televisivos, como noticiários ou que poderiam ler em qualquer jornal. Também pude apresentar-lhes conteúdos de outras áreas.

Continuei, após o filme, transpondo para a sala de aula os conhecimentos adquiridos durante a capacitação. Iniciei elucidando a localização geográfica do Ocidente e do Oriente, falei sobre as congruências e diferenças culturais e as últimas relacionadas à área geográfica. Apresentei dois mapas: um sobre o Oriente Médio, outro sobre a Ásia. Neste último mostrei a localização do Extremo Oriente relatando que, apesar de estar localizado no mapa na parte oriental, possui grandes diferenças culturais em relação ao Oriente Médio. Foi redigido um texto, no quadro, e pedi aos alunos que eles copiassem para um maior aprofundamento do estudo.

Em seguida, foquei os aspectos religiosos que dão origem aos aspectos culturais do Oriente Médio. Falei um pouco sobre o Islamismo, o Afeganistão, o Alcorão, Maomé e os Mulçumanos. Finalmente, li para eles várias proibições feitas às mulheres do Oriente Médio, que seguem o Alcorão (livro sagrado, seguido pelos maometanos). Foram lidos 34 itens em sala de aula. Os que estão relacionados abaixo foram os que mais impressionaram os educandos.

- É absolutamente proibido às mulheres qualquer tipo de trabalho fora de casa, incluindo professoras, médicas, enfermeiras, engenheiras etc.
- É proibido às mulheres andar nas ruas sem a companhia de um “nmahram” (pai, irmão ou marido).
- É proibido ser tratada por médicos homens, mesmo que em risco de vida.
- É proibido o estudo em escolas, universidades ou qualquer outra instituição educacional.
- É obrigatório o uso do véu completo (“burca”) que cobre a mulher dos pés à cabeça.
- É proibido qualquer tipo de maquilagem (foram cortados os dedos de muitas mulheres por pintarem as unhas).
Fonte: Revista Notícias Magazine, 21 de Outubro de 2001.

É importante frisar que não existe a intenção de fazê-los aceitar ou não as proibições Orientais em nossa cultura, mas que através desses fatos eles percebam como as diversas sociedades vêem a mulher e como a nossa sociedade apresenta a mulher Ocidental.

Apesar de evidenciar o tempo todo que se trata de uma questão cultural daquele povo, e que, nos dias de hoje, já não existe esse rigor, devo ressaltar que os educandos da oitava série se colocaram nos debates, opinando como essas regras são absurdas e inviáveis. Repudiaram ao extremo a submissão das mulheres em relação à religião. Os próprios alunos homens se colocaram contra as tais proibições, mesmo conscientes de que todas essas regras fazem parte da religião e da cultura deles.

Dando seqüência aos debates, abordamos os temas sobre os haréns. Foi explicada a verdadeira função dos haréns, de onde vêm as mulheres que lá moram, e qual o interesse do Sultão nessas mulheres. Quem são os Eunucos e sua função nos haréns e quais são os seus objetivos em entrar para um harém. Enfim, procurei abordar tudo o que fosse possível para abranger a maior quantidade de conteúdos sobre os haréns.

Depois de ter conhecido todas as proibições em relação às mulheres do Oriente Médio e refletido em debates sobre o comportamento da mulher Ocidental, em relação à sua vida e de sua família, pedi aos educandos que formassem grupos de quatro alunos e escrevessem um texto com, no mínimo, 15 linhas, respondendo à seguinte pergunta:

Para você qual seria a mulher ideal?


Tivemos um total de oitenta e quatro alunos entregando seus depoimentos e sem esquecer que eles estavam agrupados. Portanto, na nossa pesquisa, todos os dados de um texto têm seu resultado multiplicado por quatro.



Ideal de mulher é aquela que:

Quantidade de respostas

Ideal de mulher é aquela que:

Quantidade de respostas

É fiel ao marido.

44 alunos

É mãe batalhadora.

08 alunos

É dedicada à família.

44 alunos

Que tem senso de humor.

08 alunos

É carinhosa, sincera e humilde.

20 alunos

Ajuda o seu homem.

08 alunos

Adquire o respeito de sua rua.

24 alunos

Sabe cozinhar.

04 alunos

É aquela que pega o homem certo.

12 alunos

Obedece e ajuda.

04 alunos

Sabe valorizar o pouco que tem.

08 alunos

Sabe fazer de tudo um pouco.

04 alunos



Sabe dar amor, cuidar e dar confiança.

04 alunos

Obs.: Em cada texto foram abordadas mais de uma das respostas acima.

Após ter passado pela análise da conduta de Lee, no filme Pollock, seguindo os ensinamentos e reflexões sobre o Orientalismo, chegou a hora de inserir o tema gravidez na adolescência. Através de um novo debate, pedimos aos alunos que respondessem à seguinte pergunta:

Imaginem duas adolescentes, ambas com 15 anos, uma oriental, residindo no Afeganistão, e a outra ocidental, grávida, residindo no Brasil. Qual das duas vai possuir mais liberdade?

Realmente o debate gerou grande polêmica, porém a maioria dos educandos chegou à conclusão de que uma das formas de uma adolescente perder a liberdade é gerando um filho sem condições de criá-lo. Algo também percebido entre eles foi o fato de o pai da criança, normalmente, não assumir suas responsabilidades, sendo um item que também tolhe ainda mais a liberdade da mãe da criança, diferente do homem do Oriente, que assume sua família, sendo isso um ponto de honra para eles.

Chegou o grande dia em que 50 alunos de 5 turmas de oitava série foram escolhidos para visitarem o IRB. Os alunos foram divididos em dois grupos, que se alternaram na visita, cujos temas foram Orientalismo e Mitologia.

Eles ficaram extasiados. A maioria nunca tinha visitado o Instituto, e a eloqüência dos mediadores do IRB ajudaram aos alunos a cristalizarem tudo o que haviam aprendido em sala de aula.

Voltando para a escola, montamos uma oficina de pintura em tela. As telas foram conseguidas junto às escolas particulares. As tintas e pincéis, os alunos e a diretora da escola Maria Sampaio de Lucena colaboraram. Pedi aos educandos que transpusessem para as telas o que mais os impressionou em tudo que foi estudado em sala de aula e no IRB. Vale salientar que o projeto foi aplicado com todos os alunos das cinco oitavas séries, não apenas com os alunos que visitaram o Instituto.

O resultado das pinturas foi único. Eles normalmente dividiam a tela em duas partes. Em uma delas retratavam um elemento da cultura Ocidental e na outra, eles pintaram o mesmo elemento visto na cultura oriental. Apesar de ver retratada, em uma simples tela, a gravidez na adolescência, sabemos que o tema Orientalismo e a construção dos textos visuais com esse tema fizeram os educandos refletirem mais sobre a liberalidade em seus relacionamentos amorosos.

O projeto apresentou situações dicotômicas que nos faz refletir o porquê da sociedade encaminhar-se para algumas situações difíceis. Inicialmente, os educandos, em debate, repugnaram a forma como as mulheres do Oriente Médio são tratadas, não aceitaram a sua falta de liberdade, entretanto, em seus textos, a maioria dos educandos escreveu que a mulher ideal é aquela que segue uma linha de submissão ao marido, é dona de casa, fiel a seu marido, tendo que ter bom humor e compreensão para com tudo e com todos.

Ou seja, eles não aceitam os exageros (para nós ocidentais) e a forma proibitiva a que as mulheres orientais têm de submeter-se, porém eles aprovam à submissão da mulher ocidental em relação a seu marido e à sua família, colocando, quase em sua totalidade, a mulher como mãe. Partindo dessa análise, podemos considerar que 90% das meninas que participaram do projeto se percebem mães, vêem-se cuidando do lar e de seus filhos, portanto já é de se esperar que elas não percebam a gravidez precoce e sem estrutura como algo que vai atrapalhar seu futuro. Pois, mesmo que elas se percebam mães no futuro, expressam nos textos que a mulher ideal é aquela que sabe valorizar o que tem, ajuda o seu homem, sabe cozinhar, obedece e ajuda, é aquela que pega o homem certo. Sendo assim, demonstram total resignação em relação ao futuro que vislumbram.

Em seus depoimentos durante os debates, os adolescentes demonstram e atuam como seres acomodados que estão acostumados com o que lhes acontece e não procuram ter persistência para sair da inércia e ir buscar vida melhor.

Assim, unindo esse conjunto de fatores - sociedade, sistema educacional, falta de ideal por parte dos educandos - a perspectiva de conscientizar os adolescentes, no sentido de pensar em seu futuro, atinge a pouquíssimos alunos. É um trabalho lento como passos de formiga, do qual só veremos resultado em longuíssimo prazo.
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Referências Bibliográficas
MACHADO, Osny Telles Marcondes. Começo de Conversa – Orientação Sexual – 1ª Edição- São Paulo – Ed. Saraiva – 1993.
BUORO, Anamélia Bueno. Olhos que pintam – a leitura da imagem e o ensino da arte – 2ª edição – São Paulo: Educ / Fapesp / Cortez – 2003.
CANTON, Kátia. Retrato da Arte Moderna – Uma História no Brasil e no Mundo Ocidental (1860- 1960) – 1ª Edição – São Paulo – Ed Martins Fontes – 2002.
Apresentação do MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: temas transversais. Secretaria de Educação – Brasília. 1998.
BARBOSA, Ana Mae (Org). Arte/Educação Contemporânea, Consonâncias Internacionais. – 1ª Edição – São Paulo – Cortez Editora – 2005.

Sites Pesquisados
www.wikipedia.org/wiki/orientalismo
www.sapere.it/tca/minisite
www.theosophy.ca/theosophical.ws/Portuguese/OrienteOcidenteAB.htm
www.br.geocites.com/geografiadooriente/atual/limites
www.br.geocites.com/geografiadooriente/glossário

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Mediação estética:
O que temos?
O que precisamos?
Maria Helena Wagner Rossi

Mediação estética: o que temos?
Desde a década de noventa, vem sendo publicada grande quantidade de material para subsidiar as atividades de leitura de imagens na escola e no museu. Dentre esses, estão livros didáticos, sites da Internet, recomendações, pareceres legais e até os Parâmetros Nacionais Curriculares em Arte. No entanto, a qualidade desses materiais, muitas vezes, deixa a desejar, pois não respeitam a natureza da leitura dos alunos, nos diversos momentos e contextos do processo de escolarização. Como a maioria dos professores não conhece o pensamento estético de seus alunos, não têm condições de avaliar tais propostas. Assim, muitos professores estão fazendo o papel do mediador estético a partir das orientações disponíveis. No entanto, está na hora de perguntar: Estamos abordando a leitura estética de forma adequada? Estamos respeitando o modo de construção do conhecimento da arte através da leitura? Estamos usando estratégias adequadas para promover a formação estética, um dos principais objetivos do ensino da arte? Conhecemos as possibilidades e as limitações das leituras que propomos? Que tipos de leituras devemos (e podemos) proporcionar ao aluno nos diferentes níveis e contextos da escolarização?

Sem dúvida, para respondermos a essas perguntas, é necessário, antes, ter as respostas para outras tantas: O que o aluno vê em uma imagem / obra? Que aspectos da imagem são priorizados na sua análise? Como interpreta? Que critérios usa para julgar as obras? O que diferencia a leitura de cada um? A que se devem tais diferenças? Enquanto não pudermos responder a tais questões, não estaremos preparados para atuar na mediação estética, nem teremos consciência das (des)orientações que estaremos disseminando por aí. Em muitos casos, as idéias trazidas por essas publicações deixam de oportunizar uma orientação adequada ao professor, ávido de informações que possam implementar a sua ação. Dentre as inúmeras possibilidades, enfocamos a orientação encontrada à página 63 dos PCNs/Arte (Séries Iniciais), em que é sugerido o seguinte conteúdo para a apreciação estética: “...identificação dos significados expressivos e comunicativos das formas visuais”. Aqui, podemos perguntar se a identificação dos significados expressivos e comunicativos de uma imagem é possível (e necessária) à construção do conhecimento da arte nas séries iniciais. Nossas pesquisas mostram que os significados que os alunos atribuem às imagens dependem de vários fatores, entre os quais condições cognitivas, níveis de familiaridade com arte e discussão estética, experiências de vida, contextos socioculturais etc. Assim, acreditamos que não há identificação do significado e sim atribuição de significados pelos leitores. Para entendermos melhor esse pensamento, vamos exemplificar enfocando o item “A forma artística fala por si mesma, independe e vai além das intenções do artista” (PCN/Arte, p. 38-39), que diz o seguinte:

A “Guernica”, de Picasso, contém a idéia do repúdio aos horrores da guerra. Uma pessoa que não conheça as intenções conscientes de Picasso pode ver a Guernica e sentir um impacto significativo; a significação é o produto revelado quando ocorre a relação entre as imagens da obra de Picasso e os dados da sua experiência pessoal. A forma artística pode significar coisas diferentes, resultantes da experiência de apreciação de cada um. Seja na forma de alegoria, de formulação crítica, de descoberta de padrões formais, de propaganda ideológica, de pura poesia, a obra ganha significado na fruição de cada espectador.

Vê-se que o documento não aborda as possíveis leituras de crianças, o que certamente ajudaria o professor no seu papel de mediador. Isso porque ler é fazer, implicitamente, perguntas ao texto, seja ele escrito, visual ou outro. Quando estamos frente a uma imagem, dialogamos com ela, buscando compreendê-la. Um leitor experiente fará uso de seu conhecimento estético e artístico no seu encontro com a obra. Nesse caso, suas indagações apontarão para as discussões do mundo da arte. Um adolescente poderá enfatizar a expressividade, mas uma criança dialogará com a imagem enfatizando os elementos concretos ali presentes vendo as coisas do mundo e não metáforas possíveis aos leitores mais familiarizados. Em um diálogo(i) frente a Guernica algumas crianças de seis a oito anos, enfocando a imagem do cavalo, disseram:

Camila - Este cavalo parece de aço.
Rebeca - Eu acho que ele está segurando uma coisa na boca.
Breno - Parece que é um cachorro segurando uma faca.
Cássio - Parece que o cachorro tem uma faixa na boca com uma faca fincada.
Caroline - Esta foto ou pintura é muito maluca, é tudo preto e branco! Tem um dragão de jornal.
Camila - Tem um cavalo de aço com um prego dentro da boca. Eu acho que tem fantasmas e um boi.
Cássio - Aquele boi parece um boi fantasma.
Bruna - O que é aquilo dentro da boca do dragão?
Cássio - Já que todos são fantasmas, aquele cavalo parece uma estátua. Então, quem fez a estátua colocou um espinho na boca.
Felipe - Eu acho que é um jornal na boca do dragão.
Cássio - Não é uma boa imagem porque tem muitos fantasmas.
Bruno - Não é boa. Não dá para ver quase nada!
Lucas - É uma boa imagem porque tem uma vaca e um cavalo.

Onde o leitor experiente pode ver “o grito lancinante de toda a humanidade, simbolizado pela imagem do cavalo, com sua língua em ponta, afiada como o gume da espada, em protesto contra a barbárie...”, as crianças vêem coisas concretas, como pedaços de metal ou madeira, pregos, espinhos. Citam também dragões, fantasmas, cachorros, lâmpada mágica... Por quê? Porque essas são as respostas às perguntas que fizeram, implicitamente, à obra.

A maioria das pessoas tem um impacto significativo e lê a imagem como desordem, desgraça, morte, caos; inclusive muitas crianças mencionam gritos, briga e destruição. Mas existe a possibilidade de o aluno não ler a imagem da maneira que o professor espera. Os depoimentos acima revelam outras relações entre a imagem e as experiências das crianças. Concordamos que “a forma artística pode significar coisas diferentes, resultantes da experiência de apreciação de cada um”, porém o documento fecha as possibilidades, quando afirma que estas podem ser apenas através “de alegoria, de formulação crítica, de descoberta dos padrões formais, de propaganda ideológica e de pura poesia”. Na leitura das crianças da Educação Fundamental, isso não aparece. Sem essa compreensão corre-se o risco de, se o aluno não identificar o significado do quadro, o professor, com a melhor das intenções, fazer a leitura por ele.

Mediação estética: o que precisamos?
As perguntas feitas às obras são sempre as oportunas, para cada pessoa, em cada momento da vida. Isso porque nada pode ser interpretado sem uma conexão com o mundo no qual se vive. A vida de uma pessoa é determinada, culturalmente, pela maneira como é criada. E a interpretação estética resulta dos instrumentos que a cultura lhes dá para compreender o que está sendo oferecido para leituras. O professor/mediador tem de estar atento a isso durante as atividades de leitura. Além disso, deve levar em conta a natureza do desenvolvimento estético dos alunos. Quando dissemos que as perguntas que emergem durante a leitura são sempre as oportunas para cada pessoa em cada momento da vida, queremos dizer que essas são as perguntas que devem ser enfocadas, discutidas e estimuladas pelo professor, a fim de que o conhecimento estético do aluno possa ser desenvolvido. Se ele considerar que tais questões são infantis, ingênuas, menores, não estará respeitando a construção do conhecimento estético do aluno. Se ele considerar que as questões dignas, corretas, adequadas, são as que se referem apenas aos aspectos formais da composição, como a linha, a cor, a textura, os planos, o equilíbrio etc., estará demonstrando uma concepção modernista de leitura estética(ii).

Como conseqüência, estará desviando a condução das atividades de leitura para um caminho que levará ao empobrecimento do processo de construção do conhecimento estético do aluno. O Construtivismo nos ensina que o conhecimento é uma construção ativa do sujeito. Assim, fazer suposições sobre o que o aluno deve ler, ou impor a nossa compreensão sobre a imagem, é algo que devemos evitar, se pretendemos agir de acordo com os avanços das ciências da educação, da sociologia e da psicologia, particularmente das teorias do desenvolvimento cognitivo.

Leitura e apreciação são sinônimos de compreensão, e esta é decorrente de uma interpretação. Quando os alunos pensam que estão apenas descrevendo o que está objetivamente à sua frente, estão, na verdade, interpretando, ou seja, atribuindo sentidos. Suas falas são interpretações do que vêem, as quais são geradas nos contextos por eles vivenciados. Eles adotam os valores da sua cultura, mesmo que não demonstrem a consciência desse processo.

Ao trabalhar com a leitura estético-visual com crianças, o papel do professor é propiciar situações que possam implementar o processo de desenvolvimento da compreensão estética. Ao invés de fixar-se nos aspectos formais e histórico-factuais da obra (o que nada acrescenta ao processo de construção do pensamento estético) ou de superestimar as habilidades interpretativas do aluno (por exemplo, exigindo a “identificação” do significado da imagem através de metáforas), o professor fará melhor se respeitar a natureza da construção da criança. Para tanto, a sala de aula deverá se transformar num espaço estimulante, provocativo, problematizador, onde o aluno possa ter suas idéias e teorias confrontadas, refutadas, compartilhadas, enfim, discutidas entre colegas. Só assim, pode haver crescimento. Um professor ciente de como se dá o conhecimento estético e receptivo às manifestações do aluno poderá promover tal situação. Ao contrário, um professor que tem restrições ao discurso espontâneo e intuitivo do aluno, tenderá a “ensinar-lhe” como interpretar e julgar as imagens, de acordo com o que ele julga digno, correto, adequado.
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i Foram suprimidas as falas do professor/mediador.
ii Ana Mae, ao inventariar as diferentes abordagens de leitura da obra de arte, destaca o formalismo e a iconografia como as abordagens mais importantes durante o Modernismo. Em ambas, a prioridade é a obra e não o leitor ou o contexto. Diz a autora: “Para Roger Fry, um dos primeiros formalistas modernos vinculados às artes visuais, a análise de uma obra deve priorizar os elementos do design: equilíbrio, ordem, ritmo, padrão, composição” (Tópicos Utópicos, 1998, p. 47).

ISSN da publicação Dialogos entre Arte e Público

1983-9960

Relembrando o 3o. Encontro Diálogos entre Arte e Público - 2008 - IRB

O 3o. Encontro Diálogos entre Arte e Público, organizado por André Aquino (Gerente de Serviços de Formação em Artes Visuais da Fundação de Cultura Cidade do Recife) e tendo como equipe Gabriela da Paz, Mércia Siqueira, Cristiane Mabel Medeiros e eu, aconteceu de modo muito gratificante.

Houveram mesas redondas, laboratórios metodológicos, videocasos e uma publicação.

Os palestrantes (Alemberg Quidins/CE, Stela Barbieri/SP, Juliana Prado /RJ, Cayo Honorato/SP, Zozilena Froz/PI, Narciso Telles/MG e Fernado Azevedo/PE) expuseram seus pontos de vistas (no auditório da Universidade Católica de Pernambuco, um de nossos apoiadores) trazendo-nos questionamentos válidos para repensarmos sobre nossas práticas tornando assim a possibilidade de diálogos com o público presente.

Os laboratórios metodológicos foi uma ação pensada por Nara Galvão, Joana D'Arc (Administradora e Coordenadora geral do educativo, consecutivamente, de um de nossos apoiadores, o Instituto Ricardo Brennand) e André Aquino como modo de experimentarmos na prática os discursos de nossos palestrantes Narciso Telles, Juliana Prado, Cayo Honorato e Zozilena Froz que se dividiram com grupos de participantes pelos espaços expositivos do museu citado e dialogou a prática com o público a partir das experiências das pesquisas/ações de cada um.

Os videocasos foram mostrados no último dia e se trataram de vídeos feitos pela Gabriela da Paz, de curta duração (de 4 a 7 minutos cada), que mostram ações que acontecem aqui na cidade do Recife e que lidam com as diversas linguagens artísticas travando o diálogo entre a Arte e a cidadania com as crianças e adolescentes.

Como tem sido desde o primeiro encontro, trabalhamos sempre em cima da frase "(...) dos diálogos que temos, aos diálogos que queremos (...)", e a publicação Caderno de Textos Diálogos entre Arte e Público não podia de estar de fora desse discurso. Como editor acidental, posso assim dizer convidamos profissionais de áreas diversas como História, Comunicações, Antropologia, Música, Circo, Pedagogia, Teatro, Sociologia, Museologia e Arte/Educação para dialogar suas experiências. Afinal, encontramos conexões e até possíveis soluções, para as nossas articulações dialogais entre a arte e o público em cada elemento que nos cerca presentes nas diversas áreas.

Para conhecer os videocasos, ler os artigos, os ver algumas imagens do evento, vocês podem acessar esse blog que criamos divulgando notícias e tendo o material sempre on-line.

Abraços,
Anderson Pinheiro
Arte-educador

Relembrando o 4o. Encontro Diálogos entre Arte e Público - 2009 - MUHNE

O 4º Encontro Diálogos entre Arte e Público, aconteceu nos dias 05 e 06 de outubro de 2009 no Museu do Homem do Nordeste sob organização e coordenação de Regina Buccini (Gerente de Serviços de Formação em Artes Visuais da Fundação de Cultura Cidade do Recife) e Anderson Pinheiro (Articulador da Rede de Educadores em Museus de Pernambuco), a partir de projeto idealizado e organizado por André Aquino.

O encontro promoveu a discussão e a divulgação de pesquisas e experiências que vão ao encontro da potencialização do inter-relacionamento entre arte e público, reunindo profissionais que, atuando em diferentes contextos de mediação cultural, possuam trabalhos de referência na área.

Nesta edição, o encontro propõe o seguinte questionamento “Educadores entre museus e salas de aula: que diálogos são esses?”, a partir do qual busca refletir acerca das estratégias colaborativas que agregam tanto os educadores que atuam em instituições culturais, como os educadores cuja atuação se dá no campo da educação formal.

Com essa discussão pretende-se colaborar para a construção de novas e mais consolidadas parcerias entre esses atores, responsáveis pela dinamização da democratização cultural.

05 de outubro de 2009

| Laboratório Metodológico

Convidadas: Rejane Coutinho (SP) | Miriam Celeste (SP)

Sinopse: Debate informal sobre estratégias de mediação a partir do espaço expositivo do Museu do Homem do Nordeste. No laboratório, os participantes buscarão formas de dialogar com a exposição, mapeando limites e possibilidades dessa mediação em diferentes contextos.

| Primeiro Diálogo

Debate: Formação de educadores entre museus e sala de aula.

Partindo de algumas questões pertinentes quanto à formação do educador de museu/mediador cultural e do educador de sala de aula/professor, as suas principais queixas e as possibilidades de efetuar parcerias entre ambos, o Primeiro Diálogo será direcionado, através das experiências das palestrantes em conjunto com as vivências com o público no Laboratório Metodológico, na busca de uma visualização sobre quais os diálogos que são possíveis de serem executados entre as partes envolvidas. Tentando assim compreender quais os melhores meios de encontrar conexões de atividades/ações desses educadores e suas formações recebidas durante os encontros pedagógicos nos museus.

Convidadas: Rejane Coutinho (SP) | Miriam Celeste (SP)

Mediação: Joana D’arc de Souza Lima (PE)

06 de outubro de 2009

| Oficina: Mediações intermidiáticas em vivências estético-digitais.

Convidada: Fernanda Cunha (GO)

Sinopse: O objetivo da oficina é proporcionar experiências intermidiáticas através da inter-relação dos meios digitais e não-digitais como mediadores nas vivências estético-digitais.

| Laboratório Metodológico

Convidada: Renata Bittencourt (SP)

Sinopse: Debate informal sobre estratégias de mediação problematizando a inserção de recursos tecnológicos como campo de possibilidades de mediação em espaços expositivos a partir da nova exposição do Museu do Homem do Nordeste. No laboratório, os participantes buscarão formas de dialogar com a exposição, mapeando limites e possibilidades dessa mediação em diferentes contextos.




| Segundo Diálogo

Debate: Interseções entre mediação cultural e linguagens midiáticas

O uso recorrente das novas tecnologias no cotidiano tem nos levado a deparar com as possibilidades pedagógicas presente em seus processos dialogais. Por outro lado, percebemos como a inserção do uso dessas tecnologias como registro de visita a espaços museais e culturais tem transtornado as ações de mediação desses setores educativos. Às vezes, esses recursos tecnológicos fazem parte da própria expografia museográfica servindo como recurso propositivo de mediação. Partindo dessas situações o Segundo Diálogo pretende dialogar com as ações efetuadas tanto na Oficina como no Laboratório Metodológico sobre das novas tecnologias como recursos educacionais, seja no espaço escolar como no museal, refletindo sobre a possibilidade de utilizá-los como recursos propositivos complementar para a mediação/educação.

Convidadas: Fernanda Cunha (GO) | Renata Bittencourt (SP)

Mediação: Sandra Helena Rodrigues (PE)

| Lançamento da Publicação

Diálogos entre Arte e Público - Anderson Pinheiro (PE)

As idéias presentes nos diálogos de cada autor e autora demonstram, através de artigos, ensaios e relatos de experiências, ações que são possíveis de serem executadas pelos Educadores entre museus e sala de aula. Essa segunda edição da publicação foi organizada também com muito diálogo de modo que fosse possível invadir o lugar de cada um e construir um espaço coletivo que são aqui apresentados em quatro eixos, “Imagem e Tecnologia”, “Mediação e Arte Contemporânea”, “Educadores entre museus e sala de aula” e “A Criança e o Museu”.