.08
Construção de sentidos e vivências estéticas:
algumas considerações sobre
a relação entre jogo e arte-educação
Neila Pontes
Construção de sentidos e vivências estéticas:
algumas considerações sobre
a relação entre jogo e arte-educação
Neila Pontes
São várias as representações que encontraremos associadas à palavra jogo. Inúmeras situações são hoje denominadas “jogo”, de modo mais direto ou metafórico. Atividades de naturezas as mais distintas como, por exemplo, o jogo de cartas ou o jogo da sedução têm sua denominação primordial na palavra jogo. Impossível definir tal palavra em rigor científico senão estritamente associada ou referente a outros conceitos subjacentes. Os usos contemporâneos desse vocábulo designam ações de naturezas diversas que, de modo geral, envolvem a proposição de relações entre os “jogadores”, as regras que permeiam essas realizações e o lúdico. Estes três pilares podem traduzir uma idéia generalizante de jogo, que permeia desde as relações interpessoais até o uso didático de atividades lúdicas com fins educacionais. O que se tem como princípio é que o jogo trabalha com símbolos e, portanto, permite a manipulação mental destes para a construção de sentidos, ou seja, possibilitam uma significação ou interpretação. Conceitos esses que subtendem o processo de escolha das conexões que são estabelecidas pelo indivíduo no momento do jogo as quais variam de acordo com os processos individuais e subjetivos de exploração, identificação, reflexão, decodificação, apropriação, entre outros.
Johan Huizinga (1872-1945), em sua obra Homo Ludens, evidencia este processo de seletividade e construção de sentidos pertinentes ao jogo ao afirmar que:
As imagens, principalmente as das Artes, são pautadas na representação, e os recortes selecionados obedecem à construção histórico–social do sujeito que a produz. O artista, em seu ato criativo (que em alguns momentos também pode ser considerado jogo), representa, através de objetos simbólicos, seus devaneios sobre aspectos da vida. Podemos perceber o jogo e a arte, então, como atividades lúdicas que simulam uma parte do real e permitem a exploração mental (através da imaginação) dos signos e dos símbolos, conectando-os em significações, designações. O jogo e a arte, que se estruturam no campo do imaginário- simbólico, constroem linguagens e constituem-se parcelas de cultura.
Aqui podemos contar, mais uma vez, com as contribuições de HUIZINGA:
E refletindo sobre o mito, que também é uma “imaginação” do mundo exterior, HUIZINGA afirma que:
Podemos evocar vários pontos de convergência entre a arte e o jogo, como por exemplo, seu caráter lúdico e representacional, o jogo de analogias que permite o pensamento artístico e a construção de obras com significados próprios para o autor e os diferentes espectadores que tiverem acesso a elas, a frivolidade deferida à tarefa criadora, o caráter histórico-social de sua produção, posto que o artista é ser socialmente construído dentro de determinados parâmetros criados pela sua sociedade. Enfim, vários elementos podem auxiliar no entendimento do entrelaçamento existente entre esses dois termos. Na mediação cultural e social, podemos observar esses e outros pontos que ligam o jogo à arte e evidenciam as atividades de criação simbólica como expusemos acima.
No percurso de uma mediação, que se pretende, na maioria dos casos, lúdica e enriquecedora, os mediadores se colocam como propositores, auxiliares no processo de construção de sentidos, fornecendo informações e estabelecendo, em conjunto com o público, as conexões imaginativas que lhes permitem construir seus próprios sentidos para o objeto. A mediação, partindo desse pressuposto, pode ser entendida também como jogo, um jogo de construção conjunta de sentidos
que, como apontado por HUIZINGA, deriva da necessidade de captar o valor e o significado dessas imagens. Nas interações ocorridas entre público-mediador-objeto, as associações imaginativas e derivações são promovidas e evidenciadas conferindo sentido à obra “lida”.
Célia Almeida (in: FERREIRA, 2001) defende a idéia de que os campos simbólicos presentes na arte podem auxiliar os processos educacionais e afirma que
O lúdico também é elemento inerente ao jogo e Platão preconiza que este (o jogo) está intrinsecamente ligado à noção de ficção e que, estando a criança afeita ao ficcional, torna-se, portanto, elemento instigador no processo educativo podendo ser utilizado como estratégia para a educação. Ele destaca que o jogo é o elemento promotor de prazer que motiva a criança para a
aprendizagem. De acordo com VASCONCELOS (2003), “Para Platão o jogo é naturalmente criador, pois enseja naquele que joga a ação conjunta de criar, de dar sentido” (VASCONCELOS, 2003:18). Desdobrando essa concepção, Platão reitera que é pelo jogo que se entende ou se chega ao conhecimento (logos). E, ainda, que a educação não principia pela verdade e sim pela ficção como é o caso do jogo, que educa a partir de elementos imaginários (PLATÃO apud VASCONCELOS, 2003).
Devido a essa ludicidade inerente, o jogo foi por muitas vezes encarado como frivolidade e relegado ao papel de recreação (eventualmente tomada pelos autores com sentido pejorativo), tendo sido desconsiderado este sentido recreativo como importante instrumento que é de socialização e educação.
O jogo, na contemporaneidade, está fortemente associado à idéia de experimentação dos papéis sociais que serão realizados pelas crianças em sua fase adulta (jogo infantil). Essa noção também constitui uma das justificativas para a utilização dos jogos no meio educacional, embora também contribua para configurar a aura pouco séria que o jogo assume, por se tratar de simulacro infantil, fato freqüentemente associado à infantilização ou banalização do uso dos jogos como fator educativo. Ainda que o jogo possa estar associado, em nossa cultura, ao frívolo e à recreação, seu valor educativo, freqüentemente evocado no decorrer dos últimos dois séculos, coaduna com os campos operacionais da educação e da arte colaborando com as relações estabelecidas entre o campo da representação artística e da educação (escolar ou não). Portanto, a frivolidade atribuída ao jogo não impede que nele se veja uma importante estratégia educacional. De fato, o jogo se constitui com grande valia como meio para seduzir a criança para os estudos, dependendo apenas que receba por parte do educador os devidos cuidados pedagógicos e preserve seu caráter flexível e aberto.Sobre estes cuidados Célia Almeida (in: FERREIRA, 2001) nos alerta:
Mencionarei algumas experiências educativas que podem ilustrar essas relações estabelecidas, acima, entre o jogo, a arte e a educação. As experiências que aqui citarei ocorreram no percurso de desenvolvimento das ações educativas promovidas pelo Projeto Primeiro Olhar, na FUNDAJ. As ações educativas desenvolvidas naquela instituição visaram à promoção da formação do público, fruidor e crítico em arte, e, para tanto, fez-se necessário instrumentalizar esse público com subsídios legítimos, a fim de que pudessem ser asseguradas as analogias necessárias a uma leitura fundamentada da obra de arte. Em total consonância com as relações desveladas neste texto, o projeto ofereceu aos educadores participantes do curso de atualização em arte contemporânea (uma das ações executadas) um Kiteducativo que continha elementos auxiliares do processo de construção de sentidos como: informações conceituais sobre os artistas, glossário específico, jogo ou proposta de atividades que se destinavam à aplicação nas salas de aula. Destacarei, pois, dois desses jogos desenvolvidos com o objetivo de fomentar o debate sobre a arte contemporânea e seus modos de representação de mundo. Os jogos foram pensados, antes de tudo, como prolongamentos da mediação que ocorria nas galerias da FUNDAJ. Mesmo as crianças que não tiveram acesso à obra, realizaram interpretações significantes baseadas no uso dos jogos e em informações trazidas pelo material educativo e pelo relato das experiências vivenciadas pelos colegas que visitaram a exposição. Os jogos funcionaram, dessa maneira, como mediadores, requerendo e possibilitando analogias no processo de construção de sentidos das obras em questão.
O jogo dos “Cartões relacionais” consiste num conjunto de 26 cartões, 12 deles contendo termos referentes às reproduções de obras encontradas nos outros 14 cartões restantes. Duas das imagens presentes no jogo foram selecionadas entre as obras em exposição no Trajetórias 1. Aline Dias, artista catarinense, contribuiu com a imagem de sua obra “Carpet”, e Bruno Vieira, artista pernambucano, participou da mostra expondo seu trabalho “Da série Invasões”. No texto relativo a este jogo, encontrado no Kit Educativo, havia indicações para o uso desses cartões relacionais como jogo da memória, em que os jogadores poderiam estabelecer pares termo-termo, obra-obra ou ainda, termo-obra, explicitando e justificando verbalmente sua escolha e evidenciando assim as analogias realizadas na junção daquele par de cartas, bem como foi solicitado ao professor a utilização diversa desse material, requerendo dele e de seus alunos a postulação de novas regras para o uso dos cartões relacionais.
Outro jogo, presente no catálogo 2003-2006 da mesma instituição, foi oferecido ao público geral, bastando que se destacassem as últimas folhas da referida publicação e se arranjassem alguns pinos para ter o prazer de jogá-lo. O “jogoCatálogo”, formado por um tabuleiro com casas em que eram definidas as ações que deveriam ser realizadas pelos jogadores e cartões nos quais constavam imagens das obras expostas no ano de 2006, ou apresentavam “Citações conectivas” (trechos selecionados de textos contidos no corpo do catálogo relacionados à poética dos artistas), ou ainda outros que traziam as “Conexões para o passeio” (perguntas que possibilitavam a reflexão dos temas trabalhados nas obras expostas). Os objetivo do “jogoCatálogo” ´se resumiam à realização das ações propostas nas casas do tabuleiro e ao estabelecimento de relações entre as citações e as conexões dadas pelos conteúdos dos cartões. Ao final das trajetórias era pedido aos jogadores que tentassem definir, através da leitura da imagem, qual reprodução da obra tinha a ver com a trajetória percorrida no tabuleiro, devendo justificar sua resposta verbalizando as analogias usadas na escolha da imagem relacionada à determinada trajetória que seguiu durante o jogo. Esse jogo nos deu grande alegria já que possibilitou o acesso às reproduções e às informações de dezenas de exposições de artistas contemporâneos a um público que normalmente não as acessa em visitas a exposições de arte.
Todos os jogos foram pensados com vistas à promoção da ludicidade e quiçá da possibilidade de uma reconstrução mental do percurso criativo do artista. Requeriam a ação mental ou física de seus participantes para a construção de significados ou a realização de ações significantes (como a construção de conceitos artísticos ou objetos plásticos), bem como estabeleciam ou pediam o estabelecimento coletivo de regras para sua realização, abarcando as generalidades e algumas das especificidades observadas na configuração das atividades lúdicas como jogo.
Traço aqui, ainda, algumas observações no tocante à disponibilidade de algumas instituições culturais para o estabelecimento de parcerias efetivas com as escolas, visando a uma diminuição da distância na comunicação entre essas instituições e com foco no atendimento às necessidades específicas apontadas pelo educador escolar. Reforço aqui a necessidade do estabelecimento de diálogos efetivos entre as instituições para que o educador tenha acesso não só aos conteúdos oferecidos pelas instituições culturais, mas também que seja ele mesmo capaz de evidenciar as analogias que realiza diariamente na escolha das exposições que irá visitar com seus alunos.
Vale salientar que em tempos de tantas dificuldades no setor educacional não devemos menosprezar nenhuma estratégia de sedução das crianças e jovens para o estudo e a pesquisa necessários à construção do conhecimento.
__________
Referências bibliográficas
ALMEIDA, Célia Maria. Concepções e práticas artísticas na escola. In: FERREIRA, Sueli (org.). O ensino das artes construindo caminhos. Campinas: Papirus, 2001.
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura; Tradução de João Paulo Monteiro. São Paulo: Editora Perspectiva, 1980.
VASCONCELOS, Paulo A. C. O jogo e Piaget. São Paulo: Editora Didática Suplegraf, 2003.
Johan Huizinga (1872-1945), em sua obra Homo Ludens, evidencia este processo de seletividade e construção de sentidos pertinentes ao jogo ao afirmar que:
Se verificarmos que o jogo se baseia na manipulação de certas imagens, numa certa ‘imaginação’ da realidade (ou seja, a transformação desta em imagens), nossa preocupação fundamental será, então, captar o valor e o significado dessas imagens, dessa ‘imaginação’. Observaremos a ação destas no próprio jogo, procurando assim compreendê-lo como fato cultural da vida. (HUIZINGA, 1980:7).
As imagens, principalmente as das Artes, são pautadas na representação, e os recortes selecionados obedecem à construção histórico–social do sujeito que a produz. O artista, em seu ato criativo (que em alguns momentos também pode ser considerado jogo), representa, através de objetos simbólicos, seus devaneios sobre aspectos da vida. Podemos perceber o jogo e a arte, então, como atividades lúdicas que simulam uma parte do real e permitem a exploração mental (através da imaginação) dos signos e dos símbolos, conectando-os em significações, designações. O jogo e a arte, que se estruturam no campo do imaginário- simbólico, constroem linguagens e constituem-se parcelas de cultura.
Aqui podemos contar, mais uma vez, com as contribuições de HUIZINGA:
Na criação da fala e da linguagem, brincando com essa maravilhosa faculdade de designar, é como se o espírito estivesse constantemente saltando entre a matéria e as coisas pensadas. Por detrás de toda expressão abstrata se oculta uma metáfora, e toda metáfora é jogo de palavras. Assim, ao dar expressão à vida, o homem cria um outro mundo, um mundo poético, ao lado do da natureza. (HUIZINGA, 1980:7)
E refletindo sobre o mito, que também é uma “imaginação” do mundo exterior, HUIZINGA afirma que:
... é no mito e no culto que tem origem a grande força instintiva da vida civilizada: o direito e a ordem, o comércio e o lucro, a indústria e a arte, a poesia, a sabedoria e a ciência. Todas elas têm suas raízes no solo primevo do jogo. (HUIZINGA, 1980:7)
Podemos evocar vários pontos de convergência entre a arte e o jogo, como por exemplo, seu caráter lúdico e representacional, o jogo de analogias que permite o pensamento artístico e a construção de obras com significados próprios para o autor e os diferentes espectadores que tiverem acesso a elas, a frivolidade deferida à tarefa criadora, o caráter histórico-social de sua produção, posto que o artista é ser socialmente construído dentro de determinados parâmetros criados pela sua sociedade. Enfim, vários elementos podem auxiliar no entendimento do entrelaçamento existente entre esses dois termos. Na mediação cultural e social, podemos observar esses e outros pontos que ligam o jogo à arte e evidenciam as atividades de criação simbólica como expusemos acima.
No percurso de uma mediação, que se pretende, na maioria dos casos, lúdica e enriquecedora, os mediadores se colocam como propositores, auxiliares no processo de construção de sentidos, fornecendo informações e estabelecendo, em conjunto com o público, as conexões imaginativas que lhes permitem construir seus próprios sentidos para o objeto. A mediação, partindo desse pressuposto, pode ser entendida também como jogo, um jogo de construção conjunta de sentidos
que, como apontado por HUIZINGA, deriva da necessidade de captar o valor e o significado dessas imagens. Nas interações ocorridas entre público-mediador-objeto, as associações imaginativas e derivações são promovidas e evidenciadas conferindo sentido à obra “lida”.
Célia Almeida (in: FERREIRA, 2001) defende a idéia de que os campos simbólicos presentes na arte podem auxiliar os processos educacionais e afirma que
As artes fornecem um dos mais potentes sistemas simbólicos das culturas e auxiliam os alunos a criar formas únicas de pensamento. Em contato com as artes e ao realizarem atividades artísticas, os alunos aprendem muito mais do que pretendemos, extrapolam o que poderiam aprender no campo específico das artes. E, como o ser humano é um ser cultural, essa é a razão primeira para a presença das artes na educação escolar. (ALMEIDA, 2001:32).
O lúdico também é elemento inerente ao jogo e Platão preconiza que este (o jogo) está intrinsecamente ligado à noção de ficção e que, estando a criança afeita ao ficcional, torna-se, portanto, elemento instigador no processo educativo podendo ser utilizado como estratégia para a educação. Ele destaca que o jogo é o elemento promotor de prazer que motiva a criança para a
aprendizagem. De acordo com VASCONCELOS (2003), “Para Platão o jogo é naturalmente criador, pois enseja naquele que joga a ação conjunta de criar, de dar sentido” (VASCONCELOS, 2003:18). Desdobrando essa concepção, Platão reitera que é pelo jogo que se entende ou se chega ao conhecimento (logos). E, ainda, que a educação não principia pela verdade e sim pela ficção como é o caso do jogo, que educa a partir de elementos imaginários (PLATÃO apud VASCONCELOS, 2003).
Devido a essa ludicidade inerente, o jogo foi por muitas vezes encarado como frivolidade e relegado ao papel de recreação (eventualmente tomada pelos autores com sentido pejorativo), tendo sido desconsiderado este sentido recreativo como importante instrumento que é de socialização e educação.
O jogo, na contemporaneidade, está fortemente associado à idéia de experimentação dos papéis sociais que serão realizados pelas crianças em sua fase adulta (jogo infantil). Essa noção também constitui uma das justificativas para a utilização dos jogos no meio educacional, embora também contribua para configurar a aura pouco séria que o jogo assume, por se tratar de simulacro infantil, fato freqüentemente associado à infantilização ou banalização do uso dos jogos como fator educativo. Ainda que o jogo possa estar associado, em nossa cultura, ao frívolo e à recreação, seu valor educativo, freqüentemente evocado no decorrer dos últimos dois séculos, coaduna com os campos operacionais da educação e da arte colaborando com as relações estabelecidas entre o campo da representação artística e da educação (escolar ou não). Portanto, a frivolidade atribuída ao jogo não impede que nele se veja uma importante estratégia educacional. De fato, o jogo se constitui com grande valia como meio para seduzir a criança para os estudos, dependendo apenas que receba por parte do educador os devidos cuidados pedagógicos e preserve seu caráter flexível e aberto.Sobre estes cuidados Célia Almeida (in: FERREIRA, 2001) nos alerta:
Nenhuma proposta pedagógica é, em si, adequada a toda e qualquer situação de ensino-aprendizagem. Para poder ser colocada em prática, ela necessita ser apropriada pelo professor, ser reconstruída, precisa fazer sentido para ele e seus alunos. Propostas aplicadas mecanicamente, como se fossem receitas, meras reproduções do que propõem, estão fadadas ao fracasso. (ALMEIDA, 2001:33)
Mencionarei algumas experiências educativas que podem ilustrar essas relações estabelecidas, acima, entre o jogo, a arte e a educação. As experiências que aqui citarei ocorreram no percurso de desenvolvimento das ações educativas promovidas pelo Projeto Primeiro Olhar, na FUNDAJ. As ações educativas desenvolvidas naquela instituição visaram à promoção da formação do público, fruidor e crítico em arte, e, para tanto, fez-se necessário instrumentalizar esse público com subsídios legítimos, a fim de que pudessem ser asseguradas as analogias necessárias a uma leitura fundamentada da obra de arte. Em total consonância com as relações desveladas neste texto, o projeto ofereceu aos educadores participantes do curso de atualização em arte contemporânea (uma das ações executadas) um Kiteducativo que continha elementos auxiliares do processo de construção de sentidos como: informações conceituais sobre os artistas, glossário específico, jogo ou proposta de atividades que se destinavam à aplicação nas salas de aula. Destacarei, pois, dois desses jogos desenvolvidos com o objetivo de fomentar o debate sobre a arte contemporânea e seus modos de representação de mundo. Os jogos foram pensados, antes de tudo, como prolongamentos da mediação que ocorria nas galerias da FUNDAJ. Mesmo as crianças que não tiveram acesso à obra, realizaram interpretações significantes baseadas no uso dos jogos e em informações trazidas pelo material educativo e pelo relato das experiências vivenciadas pelos colegas que visitaram a exposição. Os jogos funcionaram, dessa maneira, como mediadores, requerendo e possibilitando analogias no processo de construção de sentidos das obras em questão.
O jogo dos “Cartões relacionais” consiste num conjunto de 26 cartões, 12 deles contendo termos referentes às reproduções de obras encontradas nos outros 14 cartões restantes. Duas das imagens presentes no jogo foram selecionadas entre as obras em exposição no Trajetórias 1. Aline Dias, artista catarinense, contribuiu com a imagem de sua obra “Carpet”, e Bruno Vieira, artista pernambucano, participou da mostra expondo seu trabalho “Da série Invasões”. No texto relativo a este jogo, encontrado no Kit Educativo, havia indicações para o uso desses cartões relacionais como jogo da memória, em que os jogadores poderiam estabelecer pares termo-termo, obra-obra ou ainda, termo-obra, explicitando e justificando verbalmente sua escolha e evidenciando assim as analogias realizadas na junção daquele par de cartas, bem como foi solicitado ao professor a utilização diversa desse material, requerendo dele e de seus alunos a postulação de novas regras para o uso dos cartões relacionais.
Outro jogo, presente no catálogo 2003-2006 da mesma instituição, foi oferecido ao público geral, bastando que se destacassem as últimas folhas da referida publicação e se arranjassem alguns pinos para ter o prazer de jogá-lo. O “jogoCatálogo”, formado por um tabuleiro com casas em que eram definidas as ações que deveriam ser realizadas pelos jogadores e cartões nos quais constavam imagens das obras expostas no ano de 2006, ou apresentavam “Citações conectivas” (trechos selecionados de textos contidos no corpo do catálogo relacionados à poética dos artistas), ou ainda outros que traziam as “Conexões para o passeio” (perguntas que possibilitavam a reflexão dos temas trabalhados nas obras expostas). Os objetivo do “jogoCatálogo” ´se resumiam à realização das ações propostas nas casas do tabuleiro e ao estabelecimento de relações entre as citações e as conexões dadas pelos conteúdos dos cartões. Ao final das trajetórias era pedido aos jogadores que tentassem definir, através da leitura da imagem, qual reprodução da obra tinha a ver com a trajetória percorrida no tabuleiro, devendo justificar sua resposta verbalizando as analogias usadas na escolha da imagem relacionada à determinada trajetória que seguiu durante o jogo. Esse jogo nos deu grande alegria já que possibilitou o acesso às reproduções e às informações de dezenas de exposições de artistas contemporâneos a um público que normalmente não as acessa em visitas a exposições de arte.
Todos os jogos foram pensados com vistas à promoção da ludicidade e quiçá da possibilidade de uma reconstrução mental do percurso criativo do artista. Requeriam a ação mental ou física de seus participantes para a construção de significados ou a realização de ações significantes (como a construção de conceitos artísticos ou objetos plásticos), bem como estabeleciam ou pediam o estabelecimento coletivo de regras para sua realização, abarcando as generalidades e algumas das especificidades observadas na configuração das atividades lúdicas como jogo.
Traço aqui, ainda, algumas observações no tocante à disponibilidade de algumas instituições culturais para o estabelecimento de parcerias efetivas com as escolas, visando a uma diminuição da distância na comunicação entre essas instituições e com foco no atendimento às necessidades específicas apontadas pelo educador escolar. Reforço aqui a necessidade do estabelecimento de diálogos efetivos entre as instituições para que o educador tenha acesso não só aos conteúdos oferecidos pelas instituições culturais, mas também que seja ele mesmo capaz de evidenciar as analogias que realiza diariamente na escolha das exposições que irá visitar com seus alunos.
Vale salientar que em tempos de tantas dificuldades no setor educacional não devemos menosprezar nenhuma estratégia de sedução das crianças e jovens para o estudo e a pesquisa necessários à construção do conhecimento.
__________
Referências bibliográficas
ALMEIDA, Célia Maria. Concepções e práticas artísticas na escola. In: FERREIRA, Sueli (org.). O ensino das artes construindo caminhos. Campinas: Papirus, 2001.
HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura; Tradução de João Paulo Monteiro. São Paulo: Editora Perspectiva, 1980.
VASCONCELOS, Paulo A. C. O jogo e Piaget. São Paulo: Editora Didática Suplegraf, 2003.
Nenhum comentário:
Postar um comentário