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A leitura que forma o mediador,
forma o olhar e ajuda a ler o mundo?
Simone Ferreira Luizines
A leitura que forma o mediador,
forma o olhar e ajuda a ler o mundo?
Simone Ferreira Luizines
Na contemporaneidade, quase tudo do que nos é apresentado é feito visualmente. Também é consenso que a capacidade de assimilação é muito mais ampla na visualidade do que em outros sentidos. O que não significa que conhecemos tudo o que vemos. A comunicação hoje, feita através dos mais avançados meios tecnológicos, expõe-nos a múltiplos elementos visuais.
Diante dessa realidade, o aprendizado e a reflexão sobre esse mundo das imagens são imprescindíveis à compreensão de nossa atual cultura. A distância entre a riqueza da visualidade contemporânea e a habilidade para analisar essas imagens criou um campo de estudo que se dedica a perceber as diferentes formas com que as pessoas observam, analisam, decodificam aquilo que lhes é visualmente apresentado e a formar pessoas capazes de auxiliar terceiros durante o processo de leitura dessas imagens.
A expressão Ler Imagens, já circula nas áreas de comunicação, sob influência do formalismo da Gestalt e da semiótica desde o final da década de 70, e muitas teorias e metodologias de leitura conseguem auxiliar a ler arte.
Porém, não interessa aqui discutir se é sob a ótica formalista, estética, de faceta semiótica (denotativa ou conotativa) ou sob a proposta de ver a imagem como fonte documental, como têm feito alguns historiadores, antropólogos e sociólogos, que a leitura tem sido aplicada pelo mediador. O que se pretende é questionar a compreensão de mediador da leitura de imagem como aquele que “ensina a ver e ler”. Ensina a ver o quê? Quem é esse personagem que, mesmo diante da complexidade visual da contemporaneidade, seria capaz de ver e ler qualquer imagem?
A necessidade ou não da utilização do mediador é uma discussão antiga. Já na reforma protestante, com a tradução da Bíblia, fez-se desnecessária a presença do Padre, mediador das palavras bíblicas, o que ocasionou uma diversidade de interpretações e obrigou a Igreja, preocupada em retomar sua hegemonia e controle, a reconsiderar a presença do mediador - personagem com o papel fundamental de mediar e de conciliar tensões intelectuais, resolvendo discrepâncias aparentes, harmonizando assim todos os elementos da vida mental.
No campo das artes plásticas, a cada dia, a produção aproxima-se mais da vida. E é esse um dos grandes obstáculos para a compreensão da arte contemporânea e conseqüente valorização da figura do mediador - personagem que media o contato e a fruição entre expectador e obra. E será que o mediador da leitura de imagem, e agora me detenho apenas à leitura da imagem de obra de arte, não tem atuado apenas como esse conciliador de tensões, ou até controlador de interpretações? Será que o que se tem feito, tanto no museu quanto na sala de aula, é realmente uma formação do olhar como costumamos pregar, ou será que, de fato, temos tentado ensinar nossos alunos a ver e ler sob a nossa ótica?
Os estudos sobre leitura da obra de arte situam-se num marco teórico que vê a educação não apenas restrita à formalidade da instituição escolar, mas estendida a inúmeros mecanismos educativos presentes em diferentes instâncias socioculturais, como por exemplo, os museus. Grande parte destes tem como função primordial educar os sujeitos e, por estarem inseridos na área cultural, são revestidos de características como prazer e diversão, mas esses espaços também educam e produzem conhecimento. O que precisa ser revisto é que tipo de conhecimento tem sido produzido.
Algumas pessoas costumam defender a idéia do mediador como aquele capaz de facilitar a fruição da leitura sem interferir ou influenciar a construção do educando com seus conhecimentos e reflexões. Nem oito, nem oitenta. Não se pode pensar a figura de um mediador como aquele que ensina a ver, nem muito menos aquele capaz de formar o olhar abstendo-se de qualquer construção do grupo, até porque isso seria impossível. O mediador, como ser em processo, deve perceber-se e portar-se não como imparcial ao grupo, mas como parte integrante e de extrema importância dentro dele, ou, como defendia Vygotsky (MELLO, 2004), o indivíduo mais experiente que, através da mediação, estimulará o processo de aprendizagem do menos experiente. O mediador - refirome à semântica da palavra dentro da educação e não a seu conceito abrangente - tanto do Museu quanto da sala de aula, deve dialogar com os interesses do grupo e, a partir disso, propor questionamentos que despertem reflexões.
Pensando a leitura sob uma abordagem crítica, e entendendo-a como um campo de estudo transdisciplinar e multirreferencial, que pode tomar seus referentes tanto da arte quanto da história, psicologia cultural, psicanálise, antropologia, sociologia e filosofia, sem fechar-se nestas ou somente sobre essas referências, é que alguns autores enfatizam que esse campo de estudos se organiza a partir de relação dos significados culturais, valores, identidade e noção de representação. Sendo assim, uma leitura torna-se significativa quando se estabelecem relações entre o objeto de leitura e a experiência cultural do leitor.
E nesse caso,
Nesse sentido, já não cabe mais perguntar o que os educandos não sabem e posicionar-se como o meio termo entre aqueles que querem ver e aquilo que se quer ver, mas sim propor conexões, a partir do que já se sabe, para que, juntos, possam ampliar e organizar discursos com os saberes que todos possuem. A proposta é construir relatos visuais, utilizando diferentes suportes relacionados com a própria identidade e contexto sociocultural, os quais ajudem os educandos a construir um posicionamento diante do mundo sem que o mediador/educador dite um direcionamento.
É importante entender que o processo de aprendizagem é móvel, pois a cada dia se incorporam novos aspectos. Nesse sentido, os mediadores/educadores têm de estar atentos ao que está se passando no mundo e responder com propostas que possibilitem aos educandos elaborar formas de compreender e atuar no mundo. É essa postura que definirá se o mediador em questão é um educador, que media as experiências culturais e estimula a construção coletiva do conhecimento, ou se é apenas aquele que media as discrepâncias e que controla as tensões. A situação criada pelo mediador/educador para iniciar o processo de aprendizagem é o que sinaliza sua orientação educativa e define seu papel diante do grupo.
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Referencias Bibliográficas
PILLAR, Analice Dultra. Leitura e releitura. In: Pillar, Analice D.(org.). A educação do olhar no ensino das artes. Porto Alegre: Ed. Mediação, 1999.Série Cadernos de Autoria.
SANTOS, Anderson Pinheiro e LUIZINES, Simone Ferreira. Justifique sua resposta. In: Revista 2 Pontos para Documenta de Kassel. Recife, 2007.
SARDELICH, Maria Emilia. Leitura de imagens e cultura visual: desenredando conceitos para a prática educativa. No curso “Educación Artística: enseñanza y aprendizaje de las artes visuales”, Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Barcelona, 2005.
Citações Indiretas
AZEVEDO, Fernando Antônio Gonçalves. A arte possibilita ao ser humano re-pensar suas certezas. s.d.
BARBOSA, Ana Mae. Arte/educação em Museus: Herança intangível. 2004.
MELLO, Suely Amaral. A escola de Vygotsky. 2004.
Diante dessa realidade, o aprendizado e a reflexão sobre esse mundo das imagens são imprescindíveis à compreensão de nossa atual cultura. A distância entre a riqueza da visualidade contemporânea e a habilidade para analisar essas imagens criou um campo de estudo que se dedica a perceber as diferentes formas com que as pessoas observam, analisam, decodificam aquilo que lhes é visualmente apresentado e a formar pessoas capazes de auxiliar terceiros durante o processo de leitura dessas imagens.
Na Arte-educação contemporânea, um dos grandes enfoques de discussão é a leitura da imagem e, apesar de quando falarmos em leitura a primeira idéia a vir a mente ser a de compreensão das palavras, em sentido freiriano (2003), leitura é bem mais que decodificar palavras: é ler o mundo. E como na atualidade o mundo está repleto de mensagens, a leitura também envolve ler imagens e dentro da imagem, a obra de arte. (AZEVEDO, s.d.)
A expressão Ler Imagens, já circula nas áreas de comunicação, sob influência do formalismo da Gestalt e da semiótica desde o final da década de 70, e muitas teorias e metodologias de leitura conseguem auxiliar a ler arte.
Uma linha de leitura que, no caso de alguns museus, ainda se vê é a submissão do educador aos desígnios do curador, funcionando o mediador como mero reprodutor das idéias curatoriais. Ainda se observa também uma forte tendência ao formalismo, análises das obras apenas em função da identificação de linha, forma e cor sem preocupação com a construção de significados (BARBOSA, 2004).
Porém, não interessa aqui discutir se é sob a ótica formalista, estética, de faceta semiótica (denotativa ou conotativa) ou sob a proposta de ver a imagem como fonte documental, como têm feito alguns historiadores, antropólogos e sociólogos, que a leitura tem sido aplicada pelo mediador. O que se pretende é questionar a compreensão de mediador da leitura de imagem como aquele que “ensina a ver e ler”. Ensina a ver o quê? Quem é esse personagem que, mesmo diante da complexidade visual da contemporaneidade, seria capaz de ver e ler qualquer imagem?
A necessidade ou não da utilização do mediador é uma discussão antiga. Já na reforma protestante, com a tradução da Bíblia, fez-se desnecessária a presença do Padre, mediador das palavras bíblicas, o que ocasionou uma diversidade de interpretações e obrigou a Igreja, preocupada em retomar sua hegemonia e controle, a reconsiderar a presença do mediador - personagem com o papel fundamental de mediar e de conciliar tensões intelectuais, resolvendo discrepâncias aparentes, harmonizando assim todos os elementos da vida mental.
No campo das artes plásticas, a cada dia, a produção aproxima-se mais da vida. E é esse um dos grandes obstáculos para a compreensão da arte contemporânea e conseqüente valorização da figura do mediador - personagem que media o contato e a fruição entre expectador e obra. E será que o mediador da leitura de imagem, e agora me detenho apenas à leitura da imagem de obra de arte, não tem atuado apenas como esse conciliador de tensões, ou até controlador de interpretações? Será que o que se tem feito, tanto no museu quanto na sala de aula, é realmente uma formação do olhar como costumamos pregar, ou será que, de fato, temos tentado ensinar nossos alunos a ver e ler sob a nossa ótica?
Os estudos sobre leitura da obra de arte situam-se num marco teórico que vê a educação não apenas restrita à formalidade da instituição escolar, mas estendida a inúmeros mecanismos educativos presentes em diferentes instâncias socioculturais, como por exemplo, os museus. Grande parte destes tem como função primordial educar os sujeitos e, por estarem inseridos na área cultural, são revestidos de características como prazer e diversão, mas esses espaços também educam e produzem conhecimento. O que precisa ser revisto é que tipo de conhecimento tem sido produzido.
Algumas pessoas costumam defender a idéia do mediador como aquele capaz de facilitar a fruição da leitura sem interferir ou influenciar a construção do educando com seus conhecimentos e reflexões. Nem oito, nem oitenta. Não se pode pensar a figura de um mediador como aquele que ensina a ver, nem muito menos aquele capaz de formar o olhar abstendo-se de qualquer construção do grupo, até porque isso seria impossível. O mediador, como ser em processo, deve perceber-se e portar-se não como imparcial ao grupo, mas como parte integrante e de extrema importância dentro dele, ou, como defendia Vygotsky (MELLO, 2004), o indivíduo mais experiente que, através da mediação, estimulará o processo de aprendizagem do menos experiente. O mediador - refirome à semântica da palavra dentro da educação e não a seu conceito abrangente - tanto do Museu quanto da sala de aula, deve dialogar com os interesses do grupo e, a partir disso, propor questionamentos que despertem reflexões.
Pensando a leitura sob uma abordagem crítica, e entendendo-a como um campo de estudo transdisciplinar e multirreferencial, que pode tomar seus referentes tanto da arte quanto da história, psicologia cultural, psicanálise, antropologia, sociologia e filosofia, sem fechar-se nestas ou somente sobre essas referências, é que alguns autores enfatizam que esse campo de estudos se organiza a partir de relação dos significados culturais, valores, identidade e noção de representação. Sendo assim, uma leitura torna-se significativa quando se estabelecem relações entre o objeto de leitura e a experiência cultural do leitor.
E nesse caso,
a pedagogia questionadora – aquela que propõe questões que exigem reflexão, análise e interpretação, sem que sejam evitadas as informações que esclarecem e/ou apóiam interpretações - é muito mais apropriada, já que a função da pergunta é levar a pensar, estimular associações e interpretações. (BARBOSA, 2004)
Nesse sentido, já não cabe mais perguntar o que os educandos não sabem e posicionar-se como o meio termo entre aqueles que querem ver e aquilo que se quer ver, mas sim propor conexões, a partir do que já se sabe, para que, juntos, possam ampliar e organizar discursos com os saberes que todos possuem. A proposta é construir relatos visuais, utilizando diferentes suportes relacionados com a própria identidade e contexto sociocultural, os quais ajudem os educandos a construir um posicionamento diante do mundo sem que o mediador/educador dite um direcionamento.
É importante entender que o processo de aprendizagem é móvel, pois a cada dia se incorporam novos aspectos. Nesse sentido, os mediadores/educadores têm de estar atentos ao que está se passando no mundo e responder com propostas que possibilitem aos educandos elaborar formas de compreender e atuar no mundo. É essa postura que definirá se o mediador em questão é um educador, que media as experiências culturais e estimula a construção coletiva do conhecimento, ou se é apenas aquele que media as discrepâncias e que controla as tensões. A situação criada pelo mediador/educador para iniciar o processo de aprendizagem é o que sinaliza sua orientação educativa e define seu papel diante do grupo.
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Referencias Bibliográficas
PILLAR, Analice Dultra. Leitura e releitura. In: Pillar, Analice D.(org.). A educação do olhar no ensino das artes. Porto Alegre: Ed. Mediação, 1999.Série Cadernos de Autoria.
SANTOS, Anderson Pinheiro e LUIZINES, Simone Ferreira. Justifique sua resposta. In: Revista 2 Pontos para Documenta de Kassel. Recife, 2007.
SARDELICH, Maria Emilia. Leitura de imagens e cultura visual: desenredando conceitos para a prática educativa. No curso “Educación Artística: enseñanza y aprendizaje de las artes visuales”, Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Barcelona, 2005.
Citações Indiretas
AZEVEDO, Fernando Antônio Gonçalves. A arte possibilita ao ser humano re-pensar suas certezas. s.d.
BARBOSA, Ana Mae. Arte/educação em Museus: Herança intangível. 2004.
MELLO, Suely Amaral. A escola de Vygotsky. 2004.
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